Em sentido horário: Sandra Sibele, de Patos; Ailmo Xavier Soares, de Aguiar; Emilly Caroline, de Sousa; Rogelma Rodrigues de Lima, de Patos; Helano Formiga Bezerra, de Pombal; e Roane Ramalho de França, de Cajazeiras, todos vítimas de câncer, (Folha Patoense)
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Um levantamento divulgado em abril pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta que 15 cidades paraibanas têm o câncer como principal causa de morte. Destas, 11 (73%) estão localizadas no Sertão do Estado, o que tem levantado o questionamento de especialistas na área: o que está adoecendo os sertanejos?

A resposta não é simples, mas indícios ajudam a decifrar o enigma. Doutor e especialista em Cancerologia Clínica pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), o médico e pesquisador Thiago Lins explica que a doença é multifatorial, porém existem no Sertão algumas características que podem contribuir para a incidência.

“Não temos como dar um diagnóstico, isso requer uma investigação direta nessas regiões. Mas podemos levantar algumas hipóteses. O sertanejo tem, por exemplo, maior exposição solar e menor prevenção com protetor. Podemos também ter um fator causal comum, como o uso de amianto no encanamento, que foi proibido pelo risco de causar câncer de pulmão”, disse.

Hábitos de risco podem influenciar o aparecimento do câncer, mas há também vilões menos perceptíveis, aponta o especialista. “Se você tem hábitos contínuos errados, como fumar e beber, você pode contribuir para o surgimento da doença. Mas se você está ingerindo continuamente água com agentes químicos nocivos, por exemplo, você também pode estar contribuindo para isso. Mas é preciso uma investigação precisa, analisando causa e efeito”, explicou o pesquisador.

O município de Coremas, Sertão paraibano, é o primeiro no ranking das 15 cidades onde o câncer é a principal causa de morte no Estado. Por lá, é fácil encontrar alguém lutando contra a doença que já matou 11.556 pessoas em todo o Estado, desde 2015. Entre os moradores, pairam dúvidas sobre a causa das neoplasias, mas um agente específico tem sido apontado como responsável: as águas contaminadas.

Doença de família?

A reportagem do Correio da Paraíba visitou três dos 15 municípios onde a maioria dos óbitos é decorrente do câncer. Em todos, os entrevistados informaram que possuem familiares e amigos que morreram vítimas de neoplasias.

Paulo Sérgio Leite, 55 anos, residente no município de Coremas, há duas semanas descobriu um nódulo de 8 cm no pulmão esquerdo. O exame constatou tratar-se de uma neoplasia maligna. Agente de saúde, e parente de Tatiate Araújo, enfermeira de 34 anos que há 10 meses luta contra um câncer de mama, ele é um dos que não tem certeza da origem da doença.

“Fui fumante por 37 anos. Meu pai teve câncer de próstata. Apesar de trabalhar na saúde, nunca fui muito chegado a fazer exames com frequência. Outra coisa é que todo mundo daqui sabe que a água do açude que abastece a cidade não é de qualidade, porque não passa por tratamento. Se fala ainda que os canos usados para o abastecimento são antigos, de amianto, material comprovadamente cancerígeno. São tantos fatores que eu nem tenho como saber exatamente porque desenvolvi câncer”, disse Paulo.

Mãe venceu câncer, mas perdeu um filho

A dona de casa Fátima Braga, 64 anos, moradora do município de Marizópolis, Sertão paraibano, quarto na lista de óbitos por câncer na Paraíba, venceu dois tumores, mas perdeu um filho de 42 anos para um câncer de próstata. “Em 2002 tive câncer de mama, fiz cirurgia e retirei tudo, depois de 10 anos o câncer apareceu na tireóide, me operei também, tomei iodo e fiquei boa. Já sofri muito, mas nada que se compare a perder um dos meus três filhos para essa doença”, afirmou.

Everaldo Braga, filho de dona Fátima, lutou poucos meses contra o câncer que ele descobriu tardiamente. “Ele sofreu muito, passou dois anos tendo infecções urinárias constantes, mas nenhum médico descobria o que era. Ele fez o exame de próstata várias vezes, mas não era detectado. Quando fez a tomografia computadorizada já descobriram o câncer com metástase para a coluna, que fez ele perder o movimento das pernas.

Na avaliação do pesquisador doutor e especialista em Cancerologia Clínica pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Thiago Lins, o diagnóstico tardio nestas regiões também pode ser o responsável por tantas mortes. “É necessária uma investigação mais detalhada, mas muitos demoram para buscar o diagnóstico. Trabalhos educativos, incentivando a busca ao médico, poderiam diminuir essas mortes”.

Em São João do Cariri, descobertas tardias

Em São João do Cariri, os moradores ainda têm receio de falar sobre a doença. As poucas pessoas que aceitaram ser entrevistadas relataram que a realização de exames periódicos não faz parte da rotina da população.

“É triste, porque muita gente ainda prefere esconder que tem a doença, ao invés de lutar para vencê-la. Como o povo não sabe o que causa, fica especulando que é por culpa da radiação da antena de telefonia móvel que instalaram no meio da cidade há alguns anos. Pouca gente se previne ou vai ao médico, daí quando descobre já está sem jeito”, disse a aposentada Alice Gonçalves, 77 anos, que teve um câncer de mama há dois anos e hoje alerta as mulheres da cidade para a importância da realização de exames periódicos.

O agente de endemias Francisco Edglei de Souza, 37 anos, além de conviver com o problema da população, viu de perto dois parentes descobrirem a doença. Primeiro, o pai dele, o agricultor Lucas Pereira da Silva, 77 anos, que em menos de uma semana descobriu um câncer no pâncreas com metástase e faleceu sem ter tempo de lutar contra a doença.

“A gente descobriu o câncer do meu pai lá no sítio. A gente notou o amarelão no corpo dele, ele reclamando de um empachamento e a gente levou para um hospital em Serra Branca. O médico suspeitou de hepatite, fez todos os exames e nada. Levamos pra Campina Grande. Fizeram uma cirurgia para resolver esse empachamento que ele sentia, mas descobriram que era um câncer em cima do pâncreas e depois generalizou, já estava em vários órgãos, inclusive na coluna”, disse.

Depois de dois dias o pai de Francisco faleceu, em novembro de 2015. “Se ele sentia alguma coisa, não reclamava com a gente, porque ele não gostava de dar trabalho a ninguém. O médico mesmo disse que o tipo de câncer que ele teve, de 100 pessoas, escapa uma”, contou Francisco.

Recentemente, a sobrinha dele, Caroline, com apenas 18 anos, descobriu uma neoplasia maligna na tireóide e segue em tratamento no Hospital da FAP, em Campina Grande.

A aposentada Maria Pereira de Souza, 72 anos, avó da jovem, foi quem primeiro percebeu a doença da neta. “Ela também não sentia nada. Eu que descobri quando ela veio embora do Rio de Janeiro e passou a morar comigo. Vi quando ela levantou a cabeça que o pescoço dela estava com um nódulo do tamanho de uma laranja, até perguntei se ela tinha problema de tireóide. Levamos no médico e ele constatou o câncer, depois encaminhou para tratamento. Deus vai dar a cura pelo menos pra minha neta”, acredita Maria Pereira de Souza.

Nem todo câncer é hereditário

A médica geneticista pela Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, Paula Frassinetti, explica que todos os cânceres são genéticos, mas somente entre 5% e 10% são genéticos hereditários, isto é, transmitidos de pais para filhos. “Câncer é uma doença multifatorial e o fator genético é apenas um dos fatores. Mesmo um indivíduo com uma mutação em gene associada ao desenvolvimento de câncer, não necessariamente irá desenvolver a doença”, disse.

Segundo a geneticista, a melhor maneira de prevenir o câncer ainda é ter um estilo de vida saudável, prática inviável para maior parte desta população, sobretudo quando se coloca em questão que muitas cidades sequer ofertam água potável. Em Coremas, por exemplo, segundo o gerente regional da Cagepa na região Espinharas, Maciel Damasceno, 90% do município passou a receber água tratada somente este ano.

“A Cagepa tanto trata como distribui a água na cidade, mas nós ainda não estamos cobrando pela água distribuída. O tratamento é padrão, acrescentando produtos químicos como sulfato, cloro e o procedimento normal. Agora temos análises constatando a qualidade da água, mas quanto à outra parte que ainda está sendo atendida pelo motor-bomba da prefeitura, essa recebe água bruta”, ressaltou o gerente.

Maciel enfatizou que ainda existe uma grande resistência da população em aceitar o cadastro para implantar o regime de cobrança da água. “A água pode não ser de qualidade para consumo, mas que a água pode provocar câncer, desconheço qualquer estudo nesse sentido. No entanto, o pessoal ainda prefere colocar a saúde em risco do que pagar pelo serviço da Cagepa”, pontuou.

Hábitos e poluição são fatores de risco

Já o oncologista Uirá Coury reforça que a poluição das águas, bem como o estilo de vida, podem influenciar no surgimento de câncer. “O tabagismo, o hábito de ingerir bebidas alcoólicas, o estresse, sedentarismo, o aumento do índice de obesidade são fatores pré-disponentes para o desencadeamento do câncer. Além disso, metais pesados na água, o amianto, que foi inclusive proibido de ser utilizado na fabricação de canos, também fazem parte das causas do câncer”, disse.

Em São João do Cariri, outro município visitado pela reportagem, a população acredita que a multiplicação da doença está ligada à radiação das antenas de telefonia, cientificamente não confirmado, destaca o oncologista. “Ainda faltam dados para que possamos afirmar que essa radiação eletromagnética de celulares possa causar câncer em humanos”, explicou.

A equipe de reportagem entrou em contato com a ouvidoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para saber se a suspeita da população de São João do Cariri tem algum respaldo, no entanto, até o fechamento desta edição, não obtivemos respostas.

Falta hospital para realizar tratamento

O relatório do Conselho Federal de Medicina (CFM) trouxe a tona uma carência há muito tempo cobrada pela população do Sertão: a criação de um hospital especializado no tratamento do câncer.

Se 73% das cidades onde o câncer é a principal causa de morte está nesta região, seria necessário que por lá houvessem mais equipamentos destinados ao tratamento desta doença, apontamespecialistas.

Através da assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que até julho deste ano será inaugurada a Unidade de Oncologia do Hospital Regional de Patos, equipamento que deve acelerar o diagnóstico e diminuir a taxa de mortalidade por câncer na região do Sertão.

Beto Pessoa e Fernanda Figueirêdo – Correio da Paraíba

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