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As conversas vazadas pelo site The Intercept Brasil entre Sergio Moro, então juiz da Operação Lava Jato em primeira instância, e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, podem ter consequências jurídicas e eleitorais.

Além do processo que resultou na condenação em três instâncias no caso do tríplex do Guarujá (SP), outras duas denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aceitas por Moro, correm risco de nulidade. Se isso acontecer, Lula voltaria a ter direitos políticos e poderia, por exemplo, ser candidato nas eleições de 2020.

Segundo juristas consultados pelo UOL, o processo que investigou a reforma do sítio em Atibaia (SP) é o mais ameaçado. No caso, Lula foi sentenciado no dia 6 de fevereiro pela juíza substituta Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses de prisão. A defesa de Lula recorre da decisão.

Já no caso do tríplex, Lula foi condenado em julho de 2017 por Moro a nove anos e seis meses de prisão. Em janeiro de 2018, a 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) ampliou a pena para 12 anos e um mês de prisão. O STJ (Superior Tribunal de Justiça), por sua vez, reduziu a pena, em abril de 2019, para oito anos, dez meses e 20 dia.

No terceiro caso aceito por Moro, Lula foi acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de receber propina da Odebrecht para aquisição de terreno para sede do Instituto Lula. Moro aceitou a denúncia em dezembro de 2016, mas ainda não houve sentença.

A professora de direito penal e criminologia Beatriz Vargas, da UnB (Universidade de Brasília), afirma que as conversas divulgadas demonstram uma atuação parcial de Moro, “a ponto de aconselhar a parte acusadora”.

Para a professora, todos os processos contra Lula que tiveram atos processuais de Moro devem ser declarados nulos, já que ele teria atuado como um “defensor de causa”.

“Para mim não há dúvida de que o recebimento da denúncia no segundo caso [do sítio] seria inválido. Não há por que presumir isenção no caso. Se houver evidência de que o juiz tinha interesse no êxito da acusação num caso, por que não teria no outro?

Ela afirma ainda que, anuladas as sentenças, Lula não só ficaria momentaneamente livre, à espera de uma nova análise do caso, como estaria apto novamente para disputar eleições. “A inelegibilidade é consequência. Anulada a causa, cai a consequência”, diz.

Segundo o advogado criminalista e professor de direito penal pela UFF (Universidade Federal Fluminense) Daniel Raizman, se forem confirmadas as mensagens, a ideia de imparcialidade de Moro e Dallagnol seria quebrada –o que resultará em danos aos processos envolvendo Lula.

“[Se confirmados os diálogos] ficaria plasmada uma situação inusitada que contamina toda a atuação jurisdicional do, então, juiz Moro, bem como a atuação do MP. Assim, o efeito prático deveria ser a nulidade dos atos jurídicos praticados pelo MP e pelo juízo, tanto nas medidas cautelares quanto nos processos”, defende.

Para ele, não se pode deixar de analisar o fato de que Moro teria atuado também para evitar a entrevista de Lula durante a campanha eleitoral de 2018 em benefício futuro. “Houve a tentativa de manipulação da autorização de dar entrevistas, o que evidencia a direta intenção de interferir nas eleições nacionais, favorecendo o então candidato que lhe teria prometido ser ministro do STF”, afirma.

Argumento será válido a quais processos?

O jurista e ex-desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Walter Maierovitch diz que a nulidade deve ser analisada pela Justiça caso a caso. “Mas a parte interessada evidentemente vai alegar o mesmo argumento, e é claro que a causa da nulidade tem a mesma fonte [a suspeição de Moro]. Ou seja, se valeu para o caso A, tem de valer para os casos B e C.”

Entretanto, ele diz que a anulação dos atos deve ser feita após análise individual e não há como cravar a extensão da nulidade. “Se for declarado nulo o recebimento da denúncia, por consequência tudo dali para a frente é nulo. Mas há uma corrente que defende que pode se alegar que, depois de denúncia, houve prosseguimento com outro juiz que não se opôs a ela”, afirma.

Mas Maierovitch chama a atenção para os interrogatórios do caso do sítio em Atibaia terem sido feitos por Moro –ele só abandonou a magistratura na fase de alegações finais do processo.

“O interrogatório é um ato de defesa, quase um ato final da instrução. Se a juíza julgou após isso, julgou com provas contaminadas”, diz Maierovitch. “Digamos que, se fosse um jogo, ela entrou aos 44 do segundo tempo.”

O pós-doutor em direito e livre-docente pela USP (Universidade de São Paulo) Walber Agra diz que, pelas conversas reveladas, não há provas de parcialidade em outros processos fora do caso do tríplex. “As provas da parcialidade dele, que mostram que ele atua [com a Lava Jato], estão em apenas um específico. Não vejo parcialidade nos outros”, afirma.

Para ele, cada caso deve ser analisado especificamente. “Eu tenho que mostrar suspeição em cada um dos processos, essa é a questão principal agora”, afirma Agra.

O jurista diz que toda análise antecipada é um exercício de especulação porque o caso será avaliado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). “Se houver a aceitação da anulação do processo [do tríplex], não subsiste absolutamente nada do processo”, diz, ressaltando sua opinião de que deve ser anulado.

“As provas já eram frágeis e, quando um próprio membro do MP admite isso, claro que o processo deve ser anulado. A questão é saber se o Supremo vai anular todas as provas.”

 

UOL

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