Catarina Maria é a primeira criança diagnóstica com Zika Congênita no mundo — Foto: Maria da Conceição/ Arquivo pessoal
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Brincar e ir à escola são atividades que fazem parte da rotina de muitas crianças, inclusive a de Catarina Maria Alcantara Oliveira Matias, de 3 anos. Mas, antes mesmo de ela nascer, os pais se questionavam se uma vida comum seria possível para a filha. Na menina, foi diagnosticado o primeiro caso confirmado no mundo de Zika Congênita, condição causadora de microcefalia. O diagnóstico veio de Campina Grande, cidade do Agreste da Paraíba, de onde saiu a primeira pesquisa que descobriu a síndrome, realizada pela médica Adriana Melo.

Catarina foi muito esperada. Ela é a primeira filha da fisioterapeuta Maria da Conceição Alcantara Oliveira Matias, de 38 anos, e do professor Mário Matias Maracajá Filho, de 33 anos. A menina também é a primeira neta das duas famílias. “Minha gravidez foi tranquila. Queríamos muito um filho, era o momento certo. Nos três primeiros meses tive todos os cuidados para não ter nenhum problema, já que é o período que é mais crítico”, contou Maria Conceição.

Mesmo com todos as precauções, Conceição teve uma surpresa na sétima semana de gestação. Manchas vermelhas espalhadas pelo corpo inteiro apontaram para o diagnóstico da Zika, doença causada pela picada no mosquito Aedes aegypti, que foi confirmado após um exame de sangue.

A dois meses do parto, Conceição fez uma consulta de rotina com a médica e pesquisadora Adriana Melo, em Campina Grande. Uma ultrassonografia identificou que a criança tinha danos neurológicos, mas ainda não era possível dizer quais. “Foi um momento de muito choro. Eu pedia sempre a Deus que me desse uma filha saudável. Eu tinha pacientes crianças e não sabia como as mães aguentavam a rotina de tratamento”, desabafou a fisioterapeuta.

Após um mês, Conceição recebeu um telefonema de Adriana, que lhe ofereceu fazer parte de uma pesquisa que estudava a relação entre o vírus da Zika e danos neurológicos como a microcefalia. A mãe de Catarina não pensou duas vezes e passou por uma bateria de exames específicos. Alguns deles foram enviados para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, que confirmaram a presença do vírus no líquido amniótico.

Mesmo sem poder fazer mais nada para evitar o diagnóstico que a filha recebeu, Conceição quis continuar na pesquisa para ajudar outras mães e crianças que passavam pelo mesmo processo. Em São Paulo, durante a realização de novos exames, ela ouviu o que nenhuma mãe gostaria de ouvir. “Recebi um diagnóstico muito doloroso. Um médico me disse que se Catarina nascesse viva, seria uma criança que ficaria vegetando em cima de uma cama porque os danos neurológicos dela eram muito grandes”, lamentou.

Contradizendo as expectativas negativas, Catarina nasceu em fevereiro de 2016. Com seis meses de vida o desenvolvimento dela já impressionava. A mãe assumiu o compromisso de iniciar o tratamento em casa. Para Adriana Melo, a estimulação motora precoce fez toda a diferença no crescimento da menina.

Catarina começou o tratamento ainda no terceiro dia após nascimento. Graças a isso, ela se desenvolve e mantém uma vida comum como qualquer outra criança da idade dela. A mãe da menina, Conceição, é fisioterapeuta e após o diagnóstico, assumiu o compromisso de estimular o desenvolvimento da filha fazendo fisioterapia em casa.

Dificuldades no tratamento

A família é de Juazeirinho, município do interior da Paraíba. Mãe, filha e pai viajam 84,8 quilômetros, por cerca de três horas diárias, duas vezes por semana para fazer o tratamento no Instituto Professor Joaquim Amorim Neto (Ipesq), em Campina Grande.

Em julho de 2017, ela iniciou a terapia intensiva especializada no IPESQ, em Campina Grande, onde o trabalho já iniciado pela mãe ganhou continuidade e foi potencializando. O avanço no tratamento de Catarina inspirou e deu base para formular o das demais crianças com microcefalia, causada pelo vírus da Zika e tratadas no local.

Mesmo tão pequena, Catarina já enfrenta uma rotina de atividades intensa. “Hoje, Catarina vai para a escola e ainda faz o tratamento em Campina Grande. Faz terapia ocupacional, fisioterapia, fono e outras consultas. É puxado até por termos que viajar”, explicou Conceição.

A mãe da menina contou que ela ainda não consegue falar, mas balbucia o que quer dizer. “É como se ela tivesse contando uma história, mas você não entende. Fala os nomes de mãe, tia e pai. Não perfeitamente. Mas é como se quisesse chegar em nós através dessas palavras”, revelou a fisioterapeuta.

A integração dela na escola também superou as expectativas de todos. A pequena amou interagir com os novos colegas e nunca chorou por ter que permanecer no local.

“Catarina é a menina que venceu a Zika. A gente tem crianças até mais evoluídas do que ela, mas que são casos bem leves. Catarina é um caso moderado, não é o nosso caso mais grave, mas também não é um caso leve. Se a gente for ver as sequelas de dela e o que ela evoluiu, nós podemos dizer que ela foi uma das crianças que mais evoluiu”, afirmou Adriana Melo.

Catarina Maria vai à escola e tem a rotina normal de uma criança — Foto: Maria da Conceição/ Arquivo
Catarina Maria vai à escola e tem a rotina normal de uma criança — Foto: Maria da Conceição/ Arquivo

Campina Grande pioneira na pesquisa

Catarina Maria é considerada o caso número um da relação entre o zika vírus e a microcefalia. Foi quem primeiro estimulou a médica Adriana Melo a buscar uma justificativa para o que aparecia nos exames, antes mesmo da menina nascer, em 2015: presença de calcificações e redução do tamanho do cérebro. “Pedi para reavaliar com duas semanas. Quando ela voltou, a cabeça não tinha crescido nada e tinha muitas calcificações”, explica Adriana Melo.

Até então, a médica não tinha identificado nenhum caso parecido com o de Catarina e, por isso, começou a se preocupar com a situação. Perguntou à mãe se houve alguma doença durante a gestação e ela contou que teve zika com sete semanas de gravidez. No entanto, não havia nenhum estudo na medicina que falasse sobre essa relação. “Com uma semana depois, vi uma nota dizendo que tinha 19 casos de crianças nascidas com as mesmas características, mas não falava nada que era zika”, relata Adriana.

Quando percebeu que outros fetos e crianças também apresentavam as mesmas características, iniciou as pesquisas com o foco na relação da microcefalia com o zika vírus. Adriana conversou com os pesquisadores da Fiocruz e, no dia 10 de novembro de 2015, enviou o líquido amniótico de duas pacientes, coletados na clínica privada da médica. Dias depois chegou a resposta: a microcefalia, nessas crianças, estava, de fato, ligada ao zika vírus.

“Isso foi o começo de tudo, porque você tem que ter um indício forte e não tinha indício até então, apesar de alguns pesquisadores suspeitarem”, disse Adriana. Ela explica que quando a criança nasce, muitas vezes não há indício de infecção no feto, porque o vírus fica em um ambiente fechado. “A colhida do líquido amniótico foi uma boa sacada para descobrir que o zika vírus estava acometendo os fetos”, revela.

Em janeiro de 2016 os primeiros achados de Zika Congêtina foram publicados em um artigo científico pela primeira vez. A partir de então, vários estudos surgiram. “No Brasil talvez as pessoas nem valorizem muito essa descoberta. Mas fora do país essa descoberta é extremamente valorizada. Foi o primeiro passo. Não respondeu todas as dúvidas, mas é considerado um passo bem importante fora do Brasil”, ressalta Adriana.

A médica que identificou o motivo de tantas crianças estarem nascendo com microcefalia já foi premiada na Áustria e nos Estado Unidos pela descoberta que desenvolveu. Nesse momento, e por meio das pesquisas de Adriana Melo, a Paraíba entrou em um cenário diferente no país. “Quando se fala em pesquisa em saúde já se pode lembrar que existe Campina Grande”, Adriana destaca, mas lembra que todas as pesquisas foram realizadas sem nenhum financiamento, sem bolsas, apenas com parcerias e trabalho voluntário.

Hoje, os trabalhos realizados pela médica e por outros profissionais que adentraram nos estudos, ganhou dois focos principais: investigar a evolução natural da doença e minimizar as sequelas. Outro importante caminho que precisa ser descoberto é o motivo do Nordeste ter sido a região mais atingida pelo zika vírus e por que os casos dessa região são considerados mais graves.

Sede o Ipesq, em Campina Grande — Foto: Ipesq/ Divulgação
Sede o Ipesq, em Campina Grande — Foto: Ipesq/ Divulgação

IPESQ

O Ipesq é uma organização civil de fins não econômicos, com caráter filantrópico. Foi fundado no ano de 2008, em Campina Grande, no Agreste da Paraíba. O local funciona como uma casa de apoio e acolhimento para crianças com microcefalia.

No instituto, foi descoberta a relação entre o vírus da Zika e a microcefalia, em 2015, quando a doença assustou mulheres gestantes do Brasil inteiro. No local, foram dados os primeiros passos para o tratamento da condição. Na instituição, 135 crianças recebem tratamento gratuito atualmente.

Em 2017 foi criado o projeto “Amor Sem Dimensões”. Quando muitas mães se preocupavam com o tamanho da cabeça de seus bebês, que geralmente apontava se eles tinham ou não a microcefalia, o trabalho mostrou que independente de medidas, o amor sobreviveria.

Dessa maneira, o Ipesq se tornou uma das principais referências para o mundo no tratamento da microcefalia e na promoção da qualidade de vida dos pequenos e das famílias deles. Em 2018, foi inaugurada uma casa, que fica localizada próxima ao instituto, para abrigar as mães das crianças tratadas no local.

A principal fonte de renda do instituto é o apadrinhamento. Através dele, é possível doar uma quantia fixa e mensal para ajudar no tratamento de cada criança. Além de serem tratadas, os pequenos também recebem potes de leite e pacotes de fraldas, necessários para o desenvolvimento deles. O local também aceita doações dos produtos. Quem ajudar de outra forma, pode oferecer o trabalho voluntário.

Método Bobalth apalicado no tratamento de crianças com microcefalia, em Campina Grande — Foto: Ipesq/ Divulgação
Método Bobalth apalicado no tratamento de crianças com microcefalia, em Campina Grande — Foto: Ipesq/ Divulgação

Tratamento

O corpo médico do IPESQ é formado por fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, enfermeiras, médicos pediatras, neuropediatras, gastropediatras e lergologistas.

O instituto avançou e adotou, com a ajuda dos fisioterapeutas, dois métodos inovadores para o tratamento da microcefalia. Um deles é o Bobath, que estimula e fortalece as funções motoras dos pacientes mirins.

O outro é o Pediasuit, que através de um macacão ortopédico e tiras elásticas promovem o alinhamento do corpo da criança junto com o estímulo de suas capacidades sensoriais.

G1 PB

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