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O médico intensivista Ismael Perez Flores, de 35 anos, se desculpa pela fala abafada e diz que vai retirar a máscara de proteção para se fazer entender. A entrevista, feita por telefone durante um plantão no Hospital Sírio-Libanês, na região Central de São Paulo, é realizada por etapas para que ele possa atender aos pacientes com o novo coronavírus sob seus cuidados na Unidades de Tratamento Intensivo (UTI).

Cuidados esses que passaram a incluir um número maior de procedimentos, como ventilação mecânica, uso de vaso-compressores, hemodiálise, e às vezes até suporte respiratório extracorpóreo.

O G1 acompanha alguns profissionais da saúde durante a pandemia.

Muito mais trabalho, segundo Ismael, que acumula uma carga horária que tem chegado a 72 horas semanais. A mudança na rotina do médico aconteceu nas duas últimas semanas, quando ele estima que as UTIs do Sírio e do Hospital São Camilo, onde trabalha, passaram a ser 80% ocupadas por pacientes com a Covid-19.

Com a sobrecarga de pacientes e do trabalho, vem o medo da própria contaminação. E com o medo, a resiliência.

“Em algum momento eu vou me contaminar. Não dá para dizer que não tenho medo, todo mundo tem medo de ficar em estado grave com coronavírus, é inevitável. Mas você tem de estar preparado para lidar com essa situação. É resiliência mesmo: você sabe que pode ficar doente, mas tem de continuar trabalhando. Se os intensivistas, sejam médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, não trabalhassem por medo, então não haveria quem cuidasse desses pacientes”, afirma.

De acordo com Ismael, os hospitais abriram novas alas de UTI e leitos para receber mais pacientes. Alguns hospitais chegam a ter alas exclusivas para pacientes de Covid-19. Nessas alas, os profissionais trabalham paramentados com Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como gorro descartável, óculos de proteção, máscara N95, avental impermeável e luvas descartáveis.

Os cuidados, as horas extras e os vários procedimentos, contudo, nem sempre são suficientes para salvar vidas. Lidar com a morte, segundo Ismael, é a pior parte do trabalho. Ainda mais quando pacientes jovens morrem.

“Morte de pacientes jovens é uma coisa que choca bastante toda a equipe. Todo mundo acaba ficando bastante chateado e chega a ser um pouco desanimador. Mas faz parte. Por outro lado, quando você vê paciente evoluindo bem e saindo das medidas de suporte avançado, isso traz conforto e acaba tirando a sensação de não ter podido ajudar as pessoas que faleceram”, analisa.

Nem só de mortes é feito o dia a dia nos hospitais. Recuperar um paciente em estado grave, segundo Ismael, é uma “sensação indescritível de felicidade”. A equipe médica gravou um desses momentos emocionantes de alta. (Assista ao vídeo)

“Muitos pacientes que vêm para a UTI chegam a um nível de gravidade e dependem de um suporte artificial de vida por bastante tempo. É o caso de um paciente que teve alta esta semana. Ele ficou duas semanas internado precisando de um fluxo de oxigênio muito alto e prestes a ser entubado várias vezes. No meio desse caos, quando a gente consegue dar alta para um paciente desses, é uma sensação indescritível de felicidade e realização”, afirma.

Ismael diz que a recuperação dos pacientes é motivadora para continuar. “A gente vê que nosso trabalho está ajudando alguns pacientes a voltar para sua casa, sua realidade. É bem difícil explicar esse sentimento, mas muita gente fica bem emocionando com a alta dos pacientes e isso motiva a gente ainda mais para continuar a fazer nosso trabalho.”

G1 SP

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