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Mais de 30 entidades públicas estão sendo investigadas pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) por suspeitas de possíveis danos ao erário público em gastos feitos para implementar ações contra a disseminação do coronavírus ou o tratamento de pacientes da Covid-19. O levantamento feito pelo MPPB é parcial e mostra apenas procedimentos relacionados ao coronavírus na promotoria do patrimônio público.

Embora o número seja apenas uma amostra do trabalho de investigação nesse momento de pandemia, o Ministério Público registrou, desde o início da pandemia no estado, mais de 600 procedimentos relacionados ao coronavírus. Conforme levantamento parcial, são 32 prefeituras paraibanas, além do governo do estado alvos de procedimentos de investigação.

Os processos abertos pelo Ministério Público, por sua vez, são apenas parte das ações de fiscalização do gasto do dinheiro público em ações de combate ao coronavírus. Outro órgão que acompanha os processos emergenciais em prefeituras e órgãos do governo do estado é o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB).

Um levantamento feito pelo G1 junto ao sistema do TCE da Paraíba aponta que pelo menos 20 procedimentos foram instaurados em processos de licitação relacionados a políticas públicas de combate ao coronavírus, embora dois deles tenham sido consultas feitas aos conselheiros de contas para saber da legalidade da destinação de verbas públicas por outros poderes públicos do estado.

Desde o início da pandemia até a sexta-feira (5), um total de 211 municípios paraibanos haviam decretado estado de calamidade pública, medida também adotada pelo governo do estado. O decreto permitiu uma desburocratização temporária nos processos relacionados a ações de combate e prevenção ao novo coronavírus (Covid-19).

Dentre as medidas possíveis com a calamidade pública, fica a dispensa especial de licitação para algumas contratações e compras de materiais, tome os chamados empréstimos compulsórios, parcelar dívidas, atrasar a execução de gastos obrigatórios e antecipar o recebimento de receitas.

Balanço parcial de cidades com investigações de gastos

  1. Araçagi
  2. Areia de Baraúnas
  3. Bayeux
  4. Cabedelo
  5. Cacimba de Areia
  6. Cajazeiras
  7. Caldas Brandão
  8. Campina Grande
  9. Condado
  10. Conde
  11. Cruz do Espírito Santo
  12. Cuitegi
  13. Guarabira
  14. Guarabira
  15. João Pessoa
  16. Lucena
  17. Malta
  18. Passagem
  19. Patos
  20. Pilões
  21. Pilõezinhos
  22. Queimadas
  23. Quixaba
  24. Salgadinho
  25. Santa Rita
  26. Santa Teresinha
  27. São José de Espinharas
  28. São José do Bonfim
  29. São Mamede
  30. Sapé
  31. Sousa
  32. Vista Serrana

Novo desafio

Com o grande número de prefeituras e o próprio Governo da Paraíba tendo adotado estado de calamidade pública em decorrência da pandemia, aumenta o número de processos de compra de produtos e contratação de serviços para uso no combate ao coronavírus. Não bastasse o aumento considerável na demanda de processos, os órgãos de fiscalização do uso do dinheiro público precisam ter cuidado redobrado para diferenciar sobrepreço e compras feitas por um valor de mercado atípico.

O pregoeiro do Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, Leonardo Mota, explica que muitos dos insumos comprados por órgãos públicos nesse momento estão com preços flutuantes, que mudam muito em um espaço muito curto de tempo. O principal motivo para essa volatilidade é a grande demanda mundial pelos mesmos insumos em detrimento de uma oferta reduzida.

Além desse problema da lei de mercado, parte dos produtos são cotados em dólar, que passar por uma forte valorização em relação ao real. Ele explicou que em momentos como o que estamos vivendo, com mercado desregulamentado, é fundamental que os preços listados pelos órgãos tenham um parâmetro de mercado enquanto havia uma certa regulamentação.

“O superfaturamento de preço é uma expressão que é utilizada para aquele ato de má fé. superfaturamento leva a má fé, não quer dizer que comprar por um preço que está volátil, baseado no dólar louco como está, mas você comprova que aquilo é o que o mercado está oferecendo naquele momento, naquele preço, não vai ser entendido como um superfaturamento”, explicou Leonardo Mota.

Primeira etapa das investigações

O coordenador do Centro de Apoio Operacional ao Patrimônio Público, Reynaldo Serpa, responsável pelas investigações de possíveis danos ao erário por gestões municipais ou estadual, explicou que no primeiro momento, o Ministério Público da Paraíba está debruçado sobre os gastos nos dez maiores municípios do estado, tendo em vista que são os responsáveis pelos maiores gastos.

O trabalho de investigação feito pelo MP levantou os empenhos e despesas, analisadas pelos auditores de contas públicas ligadas ao órgão, e foram listadas as compras com índices muito acima do preço de mercado, fato que leva a crer em uma possibilidade de sobrepreço. Foram feitos 25 relatórios de auditoria nessa primeira fase do trabalho nas 10 maiores cidades.

“Usando a plataforma Preço de Referência, do Tribunal de Contas do Estado, que fornece o preço médio de certo produto em certo período, pudemos constatar nesses municípios compras de produtos como álcool em gel, máscaras, luvas acima do preço de mercado, que foi considerado nas cotações, o aumento natural deles nesse período, da lei da oferta e da procura”, explicou.

Poder discricionário

O advogado Márcio Sarmento, especialista em direito público com ênfase em licitações e contratos administrativos, explicou que é natural que os gestores públicos façam uso do poder discricionário, que é fundamental na gestão pública, mas que nesse momento de pandemia e de decretos de calamidade pública generalizados, é preciso que haja cautela por parte dos gestores.

“O poder discricionário, que é fundamental ao gestor, abre espaço para corrupção. A gente está engatinhando no sentido de verificar a parte subjetiva dessas tomadas de decisão. Existem mecanismos que podem auxiliar nessa tarefa, os portais de verificação de preço do TCE ou do TCU, por exemplo, são mecânicos para balizar os preços, que podem servir de base para gestor, para saber se a cotação está dentro dos padrões”, explicou.

Márcio Sarmento lembra que o uso de decreto para estabelecer calamidade pública não se trata de algo novo, está previsto na lei desde 1995, e que desde esse período que os órgãos públicos de fiscalização atuam para evitar possíveis casos de superfaturamento. Não se trata de um fato novo.

O especialista respondeu algumas questões sobre o período de gastos públicos por parte dos gestores durante a implementação de ações de combate à pandemia.

G1 – Muitas prefeituras e outros órgãos públicos envolvidos no combate à pandemia disponibilizaram um “portal da transparência” apenas para gastos relativos ao coronavírus. Uma lei na esfera estadual ou federal que obrigasse o ente público a criar um mecanismo desse tipo em gastos com pandemias, endemias ou epidemias facilitaria a fiscalização?

Márcio Sarmento – Não é de hoje que a transparência nos gastos públicos tem sido tão cobrada, tanto por órgãos de controle quanto pelos cidadãos. Acabou-se o tempo em que o uso do dinheiro público acontecia sem o conhecimento do seu maior interessado: o povo.

Nesse sentido, algumas leis foram editadas a fim de garantir o princípio da publicidade, elencado na Constituição Federal de 1988.

A título de exemplo podem ser citadas a Lei de Acesso à Informações (Lei 12.527/2011) e Lei Complementar 131/2009, que visa determinar a disponibilização em tempo real de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

É fato que em momentos excepcionais, como em pandemias, endemias, epidemias, ou em demais situações de calamidade pública, há um aumento no poder discricionário dos governantes, como a possibilidade de dispensar licitação para a aquisição de bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa.

Nessa perspectiva a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre medidas de enfrentamento da emergência decorrente do novo coronavírus, estabeleceu que todas as contratações ou aquisições realizadas com esta finalidade devem ser imediatamente disponibilizadas na rede mundial de computadores

Diante desse cenário faz-se necessária a melhora dos mecanismos de transparência para que haja maior prestação de contas do governo perante o cidadão bem como a fiscalização pelos órgãos de controle.

G1 – Sabemos que a pandemia afetou as relações de consumo, sobretudo as relações de comércio, principalmente no tocante às importações de produtos e insumos que são usados no enfrentamento ao coronavírus. Vimos uma volatilidade dos preços causados por uma demanda global reprimida diante da oferta reduzida. É possível diferenciar supostos superfaturamentos de compras “mal feitas” ou executadas em um período de alta de um determinado produto?

MS – Sem sombra de dúvidas a pandemia provocada pelo Coronavírus produziu uma crise mundial sem precedente a partir do início de 2020, crise esta que atingiu todos os setores. Como disse John F. Kennedy, 35º Presidente dos EUA, ‘’Quando escrito em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade”.

Se por um lado alguns governantes podem usar a crise como pretexto para a malversação do dinheiro público; por outro, o setor produtivo tem o poder de influenciar na volatilidade dos preços. Soube que um fornecedor paraibano de produto médico-hospitalar desistiu de determinado item em um contrato administrativo válido sob a alegação de que não dispunha do produto e, ato contínuo, uma empresa do mesmo grupo apresentou proposta para o mesmo item por um preço 530% mais caro.

É claro que não se pode negar a questão da demanda reprimida e da oferta reduzida. Ao meu sentir a volatilidade dos preços causados pela situação exposta acaba impedindo uma análise objetiva sobre superfaturamentos, mesmo com os mecanismos de parâmetro disponíveis (Painéis de Preços do Governo Federal e do TCE/PB), notadamente diante da situação excepcional que a humanidade enfrenta em decorrência da Pandemia.

G1- Sabemos que a burocracia do Estado é necessária para que grandes desvios sejam feitos a partir da falta de regulamentação do uso do dinheiro público, mas diante desses casos (e do possível aumento) haveria algum outro mecanismo legal para dar celeridade às aquisições de materiais e insumos pelos entes públicos que não fossem por meio dos decretos de calamidade?

SM – De fato, há imposição legal no sentido de que, em regra, a Administração deve proceder à licitação quando compra bens ou contrata obras e serviços. Isso se dá pela necessidade de um melhor aproveitamento dos recursos públicos através da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Por sua vez, a obrigatoriedade em licitar tem por objetivo a garantia de observância do princípio constitucional da isonomia, garantido oportunidade a todos os interessados de participarem do certame com o maior número possível de concorrentes.

Trata-se, portanto, da burocracia mencionada na pergunta. Acontece que a própria legislação que rege a matéria (8.666/93) prevê as hipóteses em que a celebração de contratos entre terceiros e a administração não será necessariamente precedida de licitação. Basicamente são os casos de Licitação Dispensável e de Inexigibilidade de licitação, em outras palavras, a “contratação direta”.

Vale dizer que se trata de situação excepcional. No primeiro caso (Licitação Dispensável), a lei enumera os casos em que o procedimento é possível, mas não obrigatório, em razão de outros princípios que regem a atividade administrativa, em especial os princípios da eficiência e da economicidade.

No segundo caso (inexigibilidade de licitação), a lei trata das situações em que a competição entre os licitantes é inviável, seja pela singularidade do objeto a ser contratado ou pela existência de um único agente capaz de fornecê-lo.

A explanação é necessária para responder à pergunta. Há, sim, mecanismos legais para dar celeridade às aquisições de materiais e insumos pelos entes públicos. Especificamente sobre casos de emergência ou de calamidade pública, como neste da Pandemia do novo coronavírus, vemos que a Lei de Licitações já facultava ao gestor público a possibilidade de dispensar a licitação.

Além desses casos (emergência ou calamidade) há a possibilidade de ser dispensada a licitação quando se pretende contratar obras e serviços de engenharia ou outros serviços e compras até determinados limites, sendo R$ 33.000 (trinta e três mil) para obras e serviços e engenharia e R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais) para demais serviços e compras.

Outra possibilidade é a dispensa de licitação para a contratação de instituição brasileira voltada à pesquisa ou ao desenvolvimento institucional, ou ainda de instituição dedicada à recuperação social de preso.

Aqui eu chamo a atenção para indicar que a escolha equivocada pela contratação direta pode trazer consequências danosas ao agente público, já que a Lei de Licitações diz ser crime o ato de dispensar ou inexigir licitação sem fundamento legal. A tipificação do crime acima mencionado é de fundamental importância para evitar a malversação do dinheiro público.

Importante destacar que diversos estudos sobre a corrupção sugerem que o aumento do poder discricionário dos agentes públicos está diretamente relacionado à possibilidade de ações que causam danos ao erário.

G1 PB

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