Nicollas, de apenas dois anos, teve diagnóstico positivo de Covid-19 — Foto: Elizeu Junior/arquivo pessoal
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Nicollas tem apenas dois anos, mas já precisou mostrar a força de um pequeno guerreiro para vencer uma difícil batalha que enfrentou recentemente. Morador de Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo, ele foi diagnosticado com Covid-19 e teve graves complicações de saúde que o fizeram ficar internado por 13 dias.

Nicollas teve alta há cerca de duas semanas e agora dá sequência à recuperação em casa. De acordo com a mãe, Thamy de Sant’Anna Barros, ele ainda precisa de acompanhamento médico de perto e de algumas medicações. Porém, após longos dias de muita preocupação e de idas e vindas a hospitais, os pais de Nicollas agradecem pela recuperação do filho, considerada por eles um milagre.

“Quero agradecer a todos, a equipe médica, de enfermagem, amigos, familiares. Descobri que havia pessoas orando por ele até fora do Brasil. Fortaleza, Paraná, Pernambuco. A vitória não é só minha. É de todos aqueles que oraram por ele”.

Os primeiros sintomas e a busca pelo diagnóstico

Thamy conta que tudo começou no dia 3 de junho, quando Nicollas apresentou febre. A mãe achou que poderia se tratar de alguma infecção, então o pai, Elizeu Junior, levou o filho a um hospital em Itaquaquecetuba.

“A médica disse que as amídalas estavam um pouco grandes e receitou medicamentos para cortar a febre. Ele voltou para casa. Naquele mesmo dia já começamos a dar os medicamentos. Mas, diferentemente de outras vezes em que ele teve infecção de garganta ou de ouvido, a febre não estava baixando. Demorava muito para baixar e subia muito rápido e tínhamos medo que ele tivesse uma convulsão”, lembra a mãe.

Dois dias depois, Nicollas começou a se queixar de muitas dores na barriga. A mãe imaginou que, por conta da febre, poderia ser infecção de urina, então novamente levou o filho ao hospital, onde foram feitos exames de sangue e de urina.

“O exame de sangue deu um pouco alterado na parte viral. Quando estávamos aguardando sair o resultado, percebi, enquanto ele dormia, que havia umas manchas nas mãos, na barriga, nas costas. Pedi para a enfermeira chamar o médico na sala. Ele examinou, apertou as manchinhas e, como elas sumiam, ele falou que não era preocupante, que poderia ser do sangue, alguma reação, mas não suspendeu nenhum remédio e pediu para a gente voltar para casa e continuar com o antibiótico, porque provavelmente seria garganta mesmo”.

Porém, de acordo com Thamy, a febre continuou subindo muito rápido e demorando para baixar. No mesmo dia, os pais decidiram levar Nicollas a um hospital, desta vez em Arujá.

“Chegando lá, o médico disse que seriam exantemas, que não são uma doença, mas sim um sintoma de algum vírus. Ele disse que a febre fica geralmente por cinco dias e, quando dão cinco dias, essas manchas estouram pelo corpo todo. Só que o Nicollas já tinha tido febre por quatro dias, e as manchas surgiram no segundo dia. Mesmo assim, a gente sabe que um organismo acaba sendo diferente do outro e imaginamos que poderia ser isso mesmo. Por desencargo de consciência, foram pedidos exames de urina e de sangue. Ele colheu e foi medicado”.

A mãe de Nicollas lembra que, como era tarde, foram para casa e voltaram ao hospital no dia seguinte, quando o quadro do garoto se manteve. “Fomos examinados por outro médico. O médico que pegou os exames dele suspeitou de uma possível meningite”.

“Aquele foi o pior momento para mim. Sempre tive muito medo dessa doença. Entrei em desespero, chorava. O médico falou que seria necessário fazer o exame. Fui para fora do hospital e esperei o procedimento acontecer. Quando saiu o resultado, deu negativo para meningite”.

Segundo Thamy, no dia seguinte, Nicollas continuou tendo febre e dor na barriga. Também estava com o olho inchado e com secreção, além de não estar se alimentando e bebendo água. Os pais decidiram levá-lo ao hospital novamente, mas, por recomendação de colegas da farmácia onde trabalha em Itaquaquecetuba, Thamy procurou uma clínica médica em Mogi das Cruzes.

“Ele já tinha mais manchinhas na região genital, os olhos estavam bem inchados e vermelhos. O corpo já tinha mais bolinhas. As mãos e os pés estavam bem gelados. A médica deu o diagnóstico de Síndrome de Kawasaki, mas disse que lá não podia me dar o suporte e que ele precisava ir para o hospital, fazer outros exames e receber soro imediatamente”.

Os pais foram para um hospital perto da clínica e foram informados de que Nicollas precisaria ir para a UTI.

“Aquilo também já foi desesperador. Eu fiquei com muito medo e só falava que não queria perder meu filho. Eles me disseram que eu não perderia meu filho, mas que ele precisava de cuidados intensos, porque estava em um estado grave”.

Nicollas foi transferido para um hospital em São Bernardo do Campo, onde havia disponibilidade de leito no convênio. “Chegando lá, o médico deu medicamento para dor abdominal, porque ele estava queixando muito, e pediu exames. Ficamos aguardando a liberação para subir para a UTI. A princípio, surgiu um outro diagnóstico, que era Covid, porque ele não tinha todos os sintomas do Kawasaki. E hoje se fala muito que elas têm uma relação. Não é uma via de regra, mas alguns sintomas nas crianças estão vindo acompanhados dessa síndrome”.

A Síndrome de Kawasaki é uma espécie de vasculite, isto é, uma inflamação nos vasos sanguíneos e que ainda não tem uma causa conhecida. Alguns de seus sintomas são a febre prolongada, o aparecimento de manchas pelo corpo, entre outros. É uma doença rara, que acontece principalmente em crianças com menos de 5 anos.

Em maio, uma rara doença inflamatória em crianças, com quadro semelhante ao da Síndrome de Kawasaki, foi associada ao novo coronavírus, tendo sido observada, na ocasião, em países como Reino Unido, França, Estados Unidos e Itália.

“A gravidade disso era provocar um aneurisma. Isso que os médicos temiam. Foi prescrita imunoglobulina, que ajudava no tratamento da síndrome. Ele não reagiu bem no começo e teve que suspender, mas ele precisava porque o coração já tinha entrado em sofrimento. Os três primeiros dias foram os dias de maior piora na UTI. Só depois de trocar os antibióticos que ele veio a melhorar”.

Segundo Thamy, o primeiro teste feito para Covid-19 em Nicollas deu negativo, mas o médico solicitou outros exames da doença.

“O teste rápido, de imediato, deu positivo. Ficamos aguardando o teste do swab, que deu positivo também. Automaticamente já mudaram a administração de alguns medicamentos. Já no segundo diagnóstico, ele começou a se alimentar. Ele ficou mais ativo. A cada dia era uma melhora gradativa. Nós conseguíamos notar uma melhora significativa. Então aguardamos o organismo dele reagir aos medicamentos”.

Ao todo, Nicollas ficou internado por 13 dias, período em que foi acompanhado de perto por médicos cardiologista e hematologista. Ele teve alta do hospital há cerca de duas semanas. “Tinha uma equipe prontamente voltada para ele o tempo todo. Uma equipe enviada por Deus, que Deus colocou para cuidar dele. Tenho que agradecer a todos”.

“Geralmente as perguntas são de quem ele pegou. A gente não sabe responder porque não tivemos sintomas ou casos na família. Ele não teve contato com ninguém que teve a doença. Essa é uma das dúvidas. Mas o Nicollas está super bem”.

Necessidade de acompanhamento e uso de medicamentos

De acordo com Thamy, apesar da alta do hospital, Nicollas precisa continuar sendo acompanhado de perto e tomando medicações.

“O coraçãozinho dele deu uma dilatada na coronária. Eles estavam falando que era uma dilatação discreta, mas o Nicollas teria que fazer acompanhamento com três especialidades até os 4 aninhos dele. E também tomar medicação de uso contínuo, que é o que já estamos fazendo”.

Um dos obstáculos que os pais de Nicollas encontram neste momento é justamente o custo elevado dos medicamentos necessários para o tratamento dele.

“A hematologista deu uma guia para pegarmos o medicamento no alto custo, mas o Governo não libera o medicamento para quem faz tratamento para Covid ou qualquer outra doença, senão grávidas ou pessoas em pós-operatório”.

“Tivemos que arcar com a medicação, que é um pouco cara. Mas Deus tem cuidado e nos ajudado a comprar. E não é só a medicação. Tem seringas, medicamentos para ajudar a fazer a assepsia na hora da aplicação. Além disso, ganhamos três caixas desse medicamento das minhas colegas de trabalho. Temos contato com representantes de laboratório, que vão nos ajudar também. Tem bastante mobilização para ajudar o Nicollas”.

O G1 entrou em contato com a Secretaria de Estado da Saúde, que disse o medicamento em questão está disponível na unidade procurada pelos pais de Nicollas, em São Paulo, e que, para obtê-lo, o responsável pelo paciente deve preencher um formulário e enviar a solicitação e a documentação por e-mail, “para análise da documentação à luz dos protocolos farmacêuticos, para segurança do próprio paciente. Após a avaliação, o setor entrará em contato com os familiares para informar os próximos procedimentos”.

Os pais de Nicollas contam que, na unidade que procuraram, foram informados sobre esse procedimento de análise, mas que não havia a certeza de que o medicamento seria liberado no caso dele e que esse processo poderia durar até dois meses. “O tratamento dele é de três meses. Nós iríamos bancar dois meses de tratamento?”.

Pediatra fala sobre raridade de casos mais graves em crianças

Em contato com o G1, o pediatra e infectologista Renato Kfouri, que também é vice-presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo, falou sobre a pequena quantidade de casos de Covid-19 que se manifestam em crianças.

“A Covid-19 tem impactado de maneira bastante desproporcional as crianças em relação ao resto da população. Desde o começo na China, depois na Europa, nos Estados Unidos e aqui no Brasil, esse é um padrão que a doença vem manifestando. De maneira consistente e muito coerente com todos os locais por onde a doença passa, as crianças exibem menos formas graves, hospitalizam com extrema raridade, a mortalidade é desprezível nessa faixa etária, diferentemente do que acontece com idosos e portadores de doenças crônicas”

“Algumas explicações têm sido aventadas por conta desse fato. Provavelmente está relacionado aos receptores pulmonares. As crianças parecem ter menos receptores no pulmão para o vírus, e com isso, obviamente, o vírus tem menos facilidade de infectar e, consequentemente, de desenvolver doença grave e causar mortes. Os estudos mostram também que esses receptores aparecem mais na criança no intestino, nos rins, então outras manifestações menos comuns como diarreia, dor abdominal e problemas urinários são às vezes mais comuns nas crianças do que nos adultos”.

O médico citou também as manifestações mais graves da doença em crianças, que têm sido objeto de estudos pelo mundo, mas que são muito raras neste contexto de pandemia.

“Em casos mais raros ainda, algumas crianças desenvolvem uma síndrome inflamatória multissistêmica. Esses quadros costumam evoluir mal. Tem sido bastante estudado em alguns países. O Reino Unido e a França fizeram algumas alertas, assim como os Estados Unidos e a própria Sociedade Brasileira de Pediatria. Mas estamos falando de situações bastante peculiares, particulares e extremamente raras”.

G1 SP

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