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A inteligência e as ideias inteligentes são de incidência endêmica.  Desenvolvem- se em ambientes restritos e enfrentam inúmeros obstáculos para se expandir. Muitas dificuldades, fronteiras férreas. Muito boicote e censura, muita indolência e má vontade.

Suas irmãs vitelinas, a burrice e as tiradas de espírito estulto, não. Essas transitam serelepes entre os estágios da epidemia e da endemia. Mesmo que seja produzida em tubos de ensaios, elas apresentam taxa de transmissibilidade invejável.

Salta dos tubos, espraia-se pelos salões, pula os muros do laboratório, invade o meio fio.  É acessível, contagiante e de fácil propagação. Ademais, convenhamos, essa última compõe ambientes bem mais confortáveis, cômodos e descompromissados. Festivos, até. Da natureza dos primos fakes news e opinions.

A inteligência, de outro lado, prevê um tanto de dedicação, concentração e sisudez.

Os produtos oriundos da inteligência levam tempo para maturação e, quando apresentados, não são doces nem macios feito abacaxi. são doces, decerto, e duros como rapadura, Não são presenteados, nem podem ser consumidos por osmose. Ultrapassam o limiar do consumo palatável e digestível.

Para a pouca inteligência se expandir, porém, basta uma sub-celebridade obtusa como são todas as celebridades feitas a pincel e likes, disparar algo que pareça inteligente.

Algo como “a música de Djavan é difícil!”. Na mente deles essa é uma frase oriunda de uma sacação brilhante. Quer dizer incompreensível, impenetrável, coisas assim. Na real, não passa de um atestado de burrice, em primeiro plano feito um outdoor, e preguiça mental quilométrica. Uma lacração inconsequente.

Mas basta proferir que, dias e anos depois, todo tipo de gente vai reproduzir a máxima, dando-lhe um crédito que ela definitivamente não merece. Seja por falta de substância, seja por carência de argumentações inteligíveis além do xoxo “não entendi nada”.

Pior que até gente da imprensa, nossa inteligência difusa, se utiliza dessa expressão.

A música de Djavan é difícil, concordo. Difícil para quem não sabe nada de linguagem. Para quem gosta de papa morna servida na boca com colherinhas de sobremesa. Ou seja, para quem jamais leu um livro de poesia ou pôs a cabeça fora da caixinha da mesmice.

O alagoano tem uma obra extensa. Musicalmente ela esparrama uma sofisticação aplicada tanto a melodias previsíveis e um tanto quanto dançantes, como à standards mais densos. O mesmo ocorrendo com a poética. Nem sempre oferecida, dada, fácil. Por vezes remete ao mundo das metáforas e da imagética capaz de fazer flutuar.

Para ouvir bem e penetrar minimamente naquele universo é preciso largar mão do que parece ter começo, meio e fim. É preciso aceitar que é possível ter começos, meios, fins. Não exatamente nessa ordem comportada.

As palavras são unidades da as à promiscuidade. Os signos não existem para serem castos. As figuras de linguagem nasceram de cruzamentos mundanos e trazem, como traço hereditário, a disposição para a transa. Antes do feitiço da frase pronta e da ideia assimilável, a propositura e a provocação.

A música de Djavan é isso. Convite, proposição, invenção e provocação. Música para todas as inteligências de boa vontade. Faça amor com ela. Ela te seduz, te quer. Não deseja fundir a tua mente, nem te fazer objeto à fórceps ou encontrar-te complacente, frio e medíocre.

Antes do fim. A música que utilizam para tachar Djavan de incompreensível é “Açaí”. Uma construção poética que gira em torno da palmeira, mesclando-a a cenários prosaicos de uma moradia e de emoções que a solidão desperta. Solitários somos mais integrados à natureza. Portanto, um convite ponha o disco na vitrola, viaje no redemoinho harmônico-melódico, feche os olhos e coma o banquete com os ouvidos. No mínimo, vai ampliar o vocabulário, capisce!

Por Edson de França

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