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Se não falha a memória andava pela casa dos 29, 30 anos e desempregado. Nessas condições, os conselhos que recebemos são “procura um político” ou “vai ao Sine, que eles sempre oferecem oportunidades”. Acedi a última sugestão. Acordei cedo e me dirigi ao local. Sondei e havia uma vaga para jornalista. Fila, procedimentos iniciais, ficha e espera pela vez de ser atendido por um daqueles “especialistas” em manejo de recursos humanos e encaminhamento de almas para o mercado de trabalho.

Parênteses. Quem se dirige a um local como esses, leva consigo a esperança e o desespero. Chega ali como se fosse aquela a última tábua de salvação para alguém prestes a sucumbir às porradas da vida e do desemprego. Cabe, portanto, encontrar alguém que compreenda a situação e se resuma a cumprir seu papel guardando a isenção e privando o ente de comentários outros. Nesse quesito não tive sorte e não guardo nenhuma palavra edificante sobre o serviço.

O atendente especialista era um preto igual a mim, um pouco mais velho talvez. Pensei de pronto: “Encontrei um da raça. Com certeza vai compreender minha situação ou no mínimo me tratar bem!”. Ledo engano. Me mediu de alto a baixo. Cara de poucos amigos. Sisudo que só quem atravessa uma ressaca ou não realizou as necessidades fisiológicas a contento, antes de meter a caratonha no mundo. Fez as perguntas de praxe, identificação e tudo o mais. Perguntou por fim das minhas habilidades, qualificações profissionais e qual a vaga do cardápio oferecido eu tava de olho.

Respondi que era jornalista, formado pela UFPB. Ele arregalou os olhos. Talvez a minha simplicidade do momento e a timidez que me acompanha tenha motivado essa reação. Perguntou de pronto se eu não teria outras habilidades. Respondi que também me virava como serralheiro. No que ele foi direto e incisivo.

_ Olha como serralheiro você pode até arranjar. Agora como jornalista, jamais.

Nunca mais procurei o tal serviço.

Acho que experimentei ali, naquele momento, uma desqualificação maior que a profissional. Uma agressão gratuita ao meu status humano. Preconceito de classe, cor e até de idade, numa espécie de etarismo precoce. Para aquele “especialista”, todos esses seriam impedimentos para exercer a minha profissão. Não perguntou da minha experiência na área ou algo aparentado com isso.

Passou com má vontade o endereço e voltou ao seu estado de monumento da grosseria. Caso encerrado, mas penso que deveria haver pessoas mais qualificadas, munidas basicamente de noções de inteligência emocional e  psicologia social para exercer aquela rotina burocrática de “despachante” de empregos.

Derradeiras abaixo

Bem-tratado” como fui e munido do endereço, me dirigi ao campo do possível futuro emprego. Era uma agência de publicidade chinfrin que não sei se ainda existe, onde se localiza ou quem eram os donos. Conduziram-me a entrevista, mesmo a “patroa” avisando que a vaga já estava preenchida. Tudo bem. Malogro é com nóis mesmo.

Perguntou sobre as qualificações adquiridas, experiências essas coisas. A conclusão foi que “vocês que vem da universidade só sabem escrever”. Me despedi da “publicitária” pronto para ganhar o mundo.

E já de saída foi possível ver a jovem ocupante da vaga oferecida às voltas com um monte de notas fiscais e o telefone nas mãos, provavelmente realizando cobranças para a empresa. Definitivamente, o ogro mau humorado do Sine até que tinha razão: eu não estava, em definitivo, nem um pouco qualificado para aquela vaga.

Por Edson de França

 

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