Crônica da Quinta

Eva voltou ao paraíso

No início era um jardim onde tudo era felicidade.

A paz reinava, na busca de uma convivência respeitosa entre o Criador e as criaturas.

Parece o enredo das primeiras páginas da Gênesis, contudo, a Eva que evidenciamos  nem de longe se trata da primeira mulher e esposa de Adão.

A primeira mulher trouxe o primeiro pecado, segundo a tradição; e a Eva referida nesta crônica fez brilhar nos palcos da vida o seu brilho de artista.

As duas têm em comum a formosura, o encantamento feminino e as vicissitudes da vida terrena, cada uma a seu modo e a seu tempo.

Da primeira os relatos trazem o fruto proibido, a árvore do conhecimento do bem e do mal; e, da segunda, os frutos são saborosos em uma carreira esplendorosa de sete décadas.

Se a primeira encenou uma dramática tentação pecaminosa, coube a outra por sua parte papéis memoráveis na TV, no teatro e nos palcos como bailarina clássica.

Ouvi muito cedo falar da primeira Eva nos meus livros de catequese e da segunda Eva cresci assistindo clássicos da teledramaturgia brasileira.

Ao passo que cresci acompanhei o seu sucesso, mesmo que de longe; e, evidentemente, o peso dos anos a cair sobre as costas, parece normal que um ator ou atriz vá paulatinamente esvaindo da tela em poucas aparições cada vez mais raras.

O que antes era estrondoso: um papel engatado noutro vai por força da gerontofobia sendo engolido por novas caras, outras figuras, surgindo novas estrelas naturalmente.

Uma mulher de conduta ilibada, de uma carreira sólida, de uma retilínea trajetória não podia permitir ser tragada pelo esquecimento ou ficar refém de papéis coadjuvantes.

Como todo bom brasileiro afeito a assistir novelas – quando estas tinham conteúdo e podiam ser assistidas por toda família – uma personagem em especial me marcou na vida da Eva, tinha um sotaque estranho que misturava nordestino com estrangeirismo, era Maria Altiva da novela “A Indomada”, uma vilã com toque de humor.

Tal qual o meu prazer em assistir novela foi desfeito, a vida seguiu seu curso normal até que em plena pandemia ouvi novamente num noticiário o nome de Eva Wilma, a atriz de 87 anos que havia descoberto um câncer no ovário.

De saúde já debilitada, viúva, mãe de dois filhos e vó de alguns netos a atriz iniciou seu mais duro papel: de lutar pela vida, de buscar sua recuperação.

Foi incansável a todo instante; até o último momento para ver as cortinas se fecharem, a luz se apagar, sua voz silenciar e a vida, como em um último ato de uma peça, que não permite ensaios se findar.

Fica a memória, o legado, a saudade e a certeza de uma grande mulher que contribuiu com sua arte na indústria da cultura brasileira com excelência.

E uma de suas últimas frases ditas no ensaio para uma apresentação virtual devido o distanciamento social, no projeto “Eva, a Live” põe fim a esta crônica: quem tem arte na veia, sabe que ‘o show tem que continuar”‘.

Só resta enfim afirmar sem medo de errar que Eva voltou ao paraíso…

Carlos Ferreira da Silva – Acadêmico de Pedagogia – UNIFIP – carlossilva@pedag.fiponline.edu.br

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