A Venezuela enfrenta uma grave crise econômica e social. A jornada pela sobrevivência por que passa a sua população tem provocado uma forte onda migratória. A acolhida desta gente tem se dado por países da América do Sul. No Brasil, vários estados, a partir de Roraima, têm acolhido pessoas de várias localidades deste nosso país vizinho. Dentre os migrantes, registram-se a presença de indígenas da etnia warao.

Sobre o povo Warao, Leandro Marques Durazzo*, doutor em Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pontua que tradicionalmente habitam o delta do rio Orinoco, na Venezuela, e são um grupo étnico bastante diverso, quanto a sua organização social e aos seus costumes. A língua por eles falada é também chamada de Warao, causando bastante dificuldade entre os brasileiros, por pensarem que, pelo fato de virem da Venezuela, falarem espanhol.

Conforme Durazzo*, desde 2014, há registros no Brasil da presença do povo Warao, sendo intensificada nos anos recentes. Em nosso país, os primeiros lugares da presença deste povo foram os estados de Roraima, Amazonas e Pará, mas logo se expandiu para outras Unidades da Federação, principalmente nas capitais.

No Nordeste, há registros da presença destes indígenas venezuelanos nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

Na Paraíba, os primeiros registros da presença warao foi em João Pessoa, chegando logo em seguida a Campina Grande. Nestas localidades, estes indígenas venezuelanos vêm sendo acolhidos com o apoio de organizações sociais, Igrejas, em parceria com o Governo do Estado, Governos Municipais e empresários locais. Em João Pessoa, merece destaque o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e a Ação Social Arquidiocesana (ASA).

Na cidade de Patos, a partir de 2019, registra-se a presença de algumas famílias com o intuito de coletar recursos, em vista da manutenção do grupo que se encontra no Brasil, como também de familiares que se encontram em situação precária nos seus territórios de origem. Há de se compreender o belíssimo sentimento de grupo que eles cultivam. Não pensam apenas em si, mas em conseguir recursos para a manutenção daqueles que são parte de todo o grupo.

Algumas famílias quando vinham a Patos, hospedavam-se em hotéis pelo centro da cidade, tendo como ponto de coleta semáforos no centro da cidade. A partir de meados de 2020, não mais se hospedam em hotéis, mas em espaços rústicos na periferia da cidade. Geralmente, chegam grupos de quatro a cinco famílias, num total de 15 a 20 pessoas. Ao chegarem ao local de hospedagem, pagam o aluguel adiantado e, por alguns dias, ficam no centro da cidade coletando doações para o seu sustento. No grupo, geralmente tem a forte presença de mulheres e crianças, marcadas pelo abatimento das longas viagens e pela falta daquilo que é mais básico para a sobrevivência: alimento. O possível registro de mulheres e crianças desnutridas é decorrência desta jornada, que muitas vezes vêm marcada por problemas diversos de saúde.

Diante tal cenário, como a população reage? As reações se expressam de formas diversas. Há quem queira impor a força da lei, pelo fato de estarem com as crianças no centro da cidade em situação de mendicância. Neste caso, passam a acionar conselhos tutelares, polícia, ministério público, dentre outros. Há inclusive quem fale em não estender a mão para que outros não venham para cá. Há quem destile palavreados xenofóbicos. Muitas vezes o que escutamos em relação aos indígenas venezuelanos é o que já ouvimos em relação aos povos originários brasileiros: que não gostam de trabalhar, que são preguiçosos, que não são muito afeitos a limpeza, dentre outras questões. O ódio destilado tem a ver com a aversão ao pobre, como descreve Adela Cortina, em “Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio a democracia”.

Em tal cenário, há quem esboce o desejo de ajuda. Neste sentido, pessoas, organizações sociais, igrejas, setores governamentais e empresariais se propõem fazer algo. Desde o chegar junto, com uma visão humanitária: entender a situação por que passam e criar meios em vista de amenizar a situação. Em nossa cidade, pouco tem sido feito quando se trata no abrigo a estas famílias. Há quem pense que a pequena ajuda conseguida nos semáforos já seja o suficiente. Entretanto, faz-se necessário um acolhimento diferenciado, um olhar samaritano: não basta acolher o caído, mas lhe dar condições para que possa caminhar com suas próprias pernas.

Não seria necessário conhecer melhor a história deste povo, com sua riqueza cultural? Eles pedem comida! Mas é bom lembrar quem nem somente de pão vivem as pessoas, conforme nos lembra o grupo Titãs, na música Comida:

A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte

A gente não quer só comida
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida como a vida quer

O que falta muitas vezes é um parar para ouvir. Estas pessoas têm sentimento e muito gratidão ao Brasil pelo acolhimento. Antes de esbravejarmos pelo fato de os governos não estarem fazendo a sua parte, não seria interessante uma acolhida amorosa! Tal gesto não pode ser confundido com assistencialismos baratos, mas deve ser o ponto de partida para a reivindicação de políticas públicas a estes povos. Enquanto os governos não fazem, a sociedade faz a sua parte e, ao mesmo tempo, busca-se a construção de parcerias com Secretarias de Governos, em âmbito municipal e estadual, apoio do Ministério Público, cooperação de igrejas, apoio de empresários.

Neste sentido, não basta conseguir comida, há que se pensar em abrigos que tenham estruturas para que estes indígenas possam cozinhar sua comida, descansar de sua longa caminhada, acolher com dignidade as crianças, cuidar da saúde de quem se encontra com alguma enfermidade, possibilitar meios para que possam produzir a sua arte e expressar sua cultura.

*DURAZZO, Leandro Marques. Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte. Disponível em:<https://cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn/warao.html#four> Acesso: 28mai2021.

Irenaldo Pereira de Araújo – Ação Social Diocesana de Patos

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