Um amigo das antigas falava que, para ele, os domingos tinham cara de feira, feijão verde, galinha guisada e música de Roberto Carlos. A reminiscência fazia com certeza parte da memória afetiva do caríssimo. Fico a imaginar as domingueiras campinenses regadas a esse cardápio popular e intuo que, de uma forma ou de outra, os dias ou períodos dele tem uma trilha sonora particular para acompanhar suas rotinas e rituais.
Sábados para esse cronista tem acordes de “A namorada que sonhei”, clássico romântico do cantor Nilton César, soltos pelo ar. Referência fruto de uma cena felliniana, perdida em uns dias outros, que retratava donas de casa ocupadas em assear as casas e dar lustro aos pisos.
As tardes, para o menino criado no subúrbio ao som do Show das 13, do apresentador pelo locutor das 13 letras, Carlos Antônio, nas ondas Rádio Tabajara, tem um contorno brega acentuadíssimo. As manhãs de domingo soam bem Jovem Guarda e embalos dos assustados dos anos 70. DJ Brazinha se encarrega, nas manhãs Tabajaras, de acentuar essa tendência, começando inclusive com músicas do indefectível Roberto Carlos. De manter, enfim, o mito e a tese: os dias realmente se revestem de música.
Vivê-los, marcá-los, levá-los na mente, tentar inutilmente, diga-se de passagem, repetí-los assim como toda magia demanda uma trilha sonora. Há que haver um fio condutor, um intermediário entre o presente e o estado de transe, a matriz ou situação geradora.
Este não pode ser palpável como um objeto, mas referencial, incorpóreo, subjetivo, ligado diretamente à mente ou ao inconsciente individual e coletivo. Eis que a música se impõe. Rotula o instante, o põe na prateleira e marca indelevelmente a memória do intrépido e permeável viajante do tempo.
A saga de viver, existir, sobreviver, exige a marcação, no corpo do território ultrapassado, das estações por que se passa, dos instantes, da experiência vivida, dos sentidos gastos no reconhecimento do terreno. Exige, claro e por fim, a incorporação dessa vivência, o “levar consigo”.
Levar para gastar nas horas vívidas, já que voltar ao ponto inicial é impossível. Resta apenas revivê-lo em forma de audição musical ou comentário analítico e reminiscente entre amigos, em ou outro bar vadio. Serão sempre folhear de semanário, buscando uma página perdida e há tempos arrancada do calendário feito folha seca. Um quadro parado no tempo, uma estação a qual jamais haveremos de voltar.
Por Edson de França