Qual é o teu vício, cara? É cigarro? Birita? É um baseadinho? É o pozinho mágico? Ou aquele pote inteiro de sorvete, cheio de açúcar e gorduras saturadas? Quem sabe é bater nos outros, humilhar, ou até procurar aprovação através da manipulação emocional? Qual é o teu vício, cara?

Podemos definir o vício como sendo o padrão comportamental compulsivo que ocorre em episódios repetitivos e que podem, ou não, envolver o uso de substâncias (lícitas ou ilícitas). Que pode envolver o uso de substâncias e a ocorrência de danos ao indivíduo adicto. O vício é um assunto tabu dentro da sociedade, evidenciado pela cautela com a qual este tema é tratado – quando é tratado, pois é um comportamento bastante comum a ocultação, o sigilo a respeito de certos vícios, para certas pessoas.

Outra característica do vício é a capacidade que os sujeitos adictos têm de moldar suas realidades de vida em volta do vício, onde, mesmo este lhe causando danos à saúde e também em outros aspectos de sua vida, o comportamento é mantido e muitas vezes intensificado. O sujeito passa a ser escravo da própria necessidade de suprir o vício. Abandonam suas casas, seus empregos, suas famílias, amigos, abandonam tudo para se jogarem no precipício do vício.

Suas raízes estão fixadas no mecanismo cerebral responsável pela “recompensa” – o Sistema Límbico – através da renovação da produção de dopamina, que é o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, motivação e recompensa na estrutura cerebral. Toda vez que o sujeito adicto renova sua dose da substância da qual depende, ou a pessoa com adicção comportamental faz aquilo no que é viciada, ela renova a produção massiva desse hormônio.

Com o tempo e várias exposições ao objeto do vício, se cria resistência a esse objeto, sendo necessária a ampliação da doses ou das práticas comportamentais para alcançar o mesmo nível de satisfação, evoluindo a um quadro extremo onde o sujeito pratica o comportamento viciante ou faz uso da substância apenas para evitar os efeitos da abstinência – como por exemplo uma pessoa adicta ao alcoolismo que sente constantes tremores, que só cessam quando essa pessoa faz uso do álcool, mesmo que em quantidades pequenas. Mas não se enganem: a sensação de qualquer coisa que possa causar vício nunca é igual da segunda vez em diante. Isso sempre vai gerar a “falta” no sujeito adicto, que busca essa sensação.

O Sistema Límbico também é responsável por nossas emoções, formação de memórias e comportamentos instintivos. É uma área de grande importância dentro da temática do vício, pois a adicção abrange esses três aspectos em conjunto. Tomemos como exemplo um sujeito adicto em bebida alcoólica: ao ter sua primeira experiência com a substância alcoólica, o suposto sujeito vivenciou sensações, experiências, momentos passíveis de causa afetiva, havendo nesse processo a produção da dopamina, que vai deixando tudo agradável, desejável, prazeroso, e ao final da experiência, o sujeito considerou-a como positiva. No Sistema Límbico, as sinapses se moldaram em uma estrutura celular que criou memórias associadas a emoções positivas, desejáveis e prazerosas nessa experiência, motivando o sujeito a ter outras experiências com o álcool no futuro, buscando as mesmas sensações que vivenciou em sua primeira experiência.

O exemplo anterior aborda o consumo de álcool, mas essa estrutura dopaminérgica funciona da mesma forma com a interação com outras substâncias, mas também com comportamentos que tragam prazer, tenham vínculo de memória e emocional, e principalmente que façam sentido para o sujeito. A dopamina é o nosso grande reator nuclear do bem-estar e da motivação.

  1. ESTABELECIMENTO E ABSTINÊNCIA DO VÍCIO

O hábito de consumir determinada substância ou adotar determinado comportamento gera a necessidade de constantemente ampliar a dose e a frequência, para que possam sentir os mesmos efeitos de prazer da primeira vez que experimentaram o objeto viciante, gerando assim a causa do início da instalação do vício, criando assim um dinâmica de retroalimentação do vício, que faz com que a pessoa dependa compulsivamente da substância ou comportamento, impulsivamente buscando meios de sempre obtê-los. Ao não ter acesso a essa substância (ou não poder executar determinado comportamento), o sujeito passa a apresentar sinais diversos de comportamentos de abstinência que tendem a se intensificar com o tempo. O simples fato de o sujeito adicto saber que em breve poderá ficar sem a substância ou não poder adotar certo tipo de comportamento já é suficiente para gerar um processo de ansiedade prévia neste sujeito adicto.

Além do neurotransmissor supracitado dopamina, outros hormônios agem nesse processo de enraizamento do vício no indivíduo adicto, a exemplo das endorfinas, ou como alguns as chamam: “Os hormônios da felicidade.” Esses neurotransmissores são responsáveis pela sensação de alívio de dores, sensação de bem-estar e recompensa. São naturalmente sintetizadas por nosso corpo na região do hipotálamo – que compõe o Sistema Límbico.

Gabor Mate (2012) cita em uma de suas palestras que as endorfinas são nossos “anestésicos naturais”. Porém quando exposto a quantidades grandes de endorfinas e por prolongados períodos de tempo através de atividades comportamentais ou abuso de substâncias químicas diversas, as endorfinas podem se tornar cada vez mais necessárias para o funcionamento normal do cérebro. Quando há o uso de substâncias, para citar um caso especial, a substância após prolongado período de uso e doses cada vez maiores, passa a atuar como o próprio “Sistema Endorfinérgico”, não mais cabendo ao corpo cumprir a função de suprir esses hormôniosEm um pretenso comparativo, eu entendo o processo de vício como uma grande bomba atômica de endorfinas seguida da produção de dopamina agindo nessa pretensa alegoria como um imenso reator nuclear de produção de “energia”.

  • POTENCIALIZAÇÃO DOS VÍCIOS

Existem formas que potencializam a necessidade do “Sistema Endorfinérgico” em buscar meios de suprir a necessidade cada vez maior por endorfina de um sujeito adicto. Complicações e adoecimentos mentais, tais como transtornos depressivos, de ansiedade, transtorno bipolar, dentre muitos outros, podem potencializar a busca por meios que põem em risco a saúde, o bem-estar e até a vida do sujeito adicto. Por exemplo; uma pessoa que passa por um grande trauma na sua vida e entra em um estado depressivo e com episódios de ataques de pânico têm maiores chances de buscar meios prejudiciais à saúde para suprir essa dor interna que nada mais parece suprir. Esses meios podem ser lícios ou ilícios, mas geralmente são autodestrutivos.

  • FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS QUE INFLUENCIAM NO DESENVOLVIMENTO DE VÍCIOS.

Apesar dos fatores químicos exercerem relevante influência na instalação de um quadro de adicção, esta por si só, não está associado apenas a fisiologia humana. Vícios de modo geral podem estar associados a traumas vividos pelo sujeito ao longo de suas vidas. Gabor Mate (2012) menciona que no caso de indivíduos que vivenciaram infâncias traumáticas, com pouco ou nenhum afeto, ou ainda que foram abusados sexualmente em suas infâncias, vivenciam um processo de formação inadequada do Sistema Límbico afetando diretamente seus quadros emocionais, mas atingindo diversos outros aspectos de suas vidas, pois no Sistema Límbico há estruturas como o hipocampo, responsável pela formação das memórias, que interage com a amígdala, responsável por respostas a situações de perigo e tensão e o córtex cingulado, relacionado ao controle das emoções e a tomada de decisões. O vício está diretamente relacionado a desordens emocionais, dores sentimentais, memórias traumáticas e vazios existenciais, agindo na vida destes sujeitos adictos como uma válvula de escape para as quais ainda não conseguem enfrentar diretamente. Um preenchimento de vazios existenciais, pois devemos não nos perguntar sobre o porquê da existência de um vício, mas sim sobre o porquê da existência da dor e do vazio do indivíduo (Mate, 2012).

  • FATORES AMBIENTAIS QUE INFLUENCIAM NO DESENVOLVIMENTO DE VÍCIOS

O cérebro humano também está condicionado ao ambiente ao qual está inserido. Façamos um exercício reflexivo a respeito desse aspecto: imagine duas crianças. A primeira criança vive num ambiente onde recebe amor, boa educação, se alimenta bem, tem acesso a lazer, a cultura, a saúde de qualidade. Os pais dessa primeira criança vivem em harmonia e são pessoas que estimulam a criança em suas ideias e projetos. Agora, imaginemos a segunda criança, vivendo em uma família onde o pai é alcoólatra e pouco presente em sua vida. Presencia diariamente cenas de agressões – verbais e físicas – entre seus pais e sente que não existe refúgio para esta situação. Pelo alcoolismo, seu pai não provém adequadamente para a casa; então a segunda criança não se alimenta adequadamente – isso quando se alimenta, não tem acesso a boa educação, pois costuma faltar com frequência às aulas pela falta de preocupação e asseio de seus pais com a assiduidade escolar da criança. Em qual dessas duas situações vai haver mais suscetibilidade ao desenvolvimento de vícios? Bem, não precisa ser um gênio em Psicologia Comportamental para saber que a segunda criança está em uma situação de vulnerabilidade muito maior que a primeira, portanto sendo mais suscetível ao desenvolvimento de vícios.

Os exemplos citados servem para ilustrar o que foi dito no início do tópico: O cérebro também está condicionado ao ambiente, não apenas a um condicionamento genético. O ambiente molda a estrutura cerebral e, portanto, molda também traços da personalidade, traumas, angústias, enfim, uma série de aspectos psicológicos de um indivíduo. Especialmente quando esses eventos emocionalmente negativos ocorrem na infância, a fase em que o indivíduo mais capta informações do meio, como a fala, a cultura, as regras sociais, etc.

  • O PODER E O VÍCIO (OU O VÍCIO EM PODER)

            Há também o vício em poder, que se manifesta muitas vezes através da exploração profissional, submissão emocional e até mesmo submissão moral de pessoas que possuem essa adicção social. Imagine, por exemplo, aquele chefe extremamente carrasco com seus funcionários; que é intransigente, arrogante e muitas vezes agressivo. Uma pessoa que é temida – e muitas vezes odiada – por seus subordinados. Agora imaginem o que existe por trás de toda essa configuração psicológica que o transforma em uma pessoa malvista e indesejável: será se existe aí algum trauma, alguma insegurança ou alguma sensação de rebaixamento que esse chefe busque como alívio de suas angústias a severidade com seus subordinados? Para Gabor Mate, sim.

Gabor Mate (2012) faz uma descrição de grandes déspotas e ditadores ao longo da história e elenca alguns pontos em comum entre eles: “baixa estatura física”; “não compõem a maioria da sociedade (não “outsiders”)”; “profundo senso de inferioridade/insegurança/não pertencimento.” Mate argumenta que a busca e o vício em poder decorrem da necessidade do preenchimento de um vazio ligado a um profundo sentimento de inferioridade, citando figuras como Napoleão, Alexandre da Macedônia, Hitler…

Por Gustavo Firmino Costa – Polêmica Patos

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