Na vibe do rocket man

por Edson de França

“A  simples menção à lua me prendeu àquela melodia. Reacendeu, aliás, uma velha fixação pelas coisas do espaço, viagens e mistérios dos astros e quiçá de outras civilizações” (EF)

Foi assistindo ao filme Sombra Lunar (In the shadow of the moon, direção de Jim Mickle, EUA, 2019) que ouvi, durante os créditos finais, a canção “Everyone’s gone to the moon” (1965), do cantor, compositor e produtor musical, Jonathan King. (Jonathan King Everyone’s Gone To The Moon)

A  simples menção à lua me prendeu àquela melodia. Reacendeu, aliás, uma velha fixação pelas coisas do espaço, viagens e mistérios dos astros e quiçá de outras civilizações.

É que a lua sempre me fascinou, seja vendo-a a olho nu, seja pescando referências em canções e textos de todos os tempos. De passagem, lembro por exemplo de Allan Poe (1809-1849), com seu conto “Um homem na lua” (1935),  retratando essa ideia recorrente do homem que foge dos seus problemas terrenos na tentativa de descobrir se existe vida lá pelos lados do satélite natural.

A simples ideia de que “Todo mundo foi pra lua”, título traduzido da canção, abandonando a terra e suas contradições é, confesso, uma ideia que sempre me fascinou. Tem coeficientes de muita aventura envolvida no desejo, mas tem muito de desencanto com o planeta azul, seus moradores, suas manias, nossa renitente fase de transição.

O espaço sideral em si é motivo de inspiração e, sobretudo, de admiração, de sonho de consumo. Gene Roddenberry (1921-1991) – Star Trek/Jornada nas Estrelas – e George Lukas (1944 -) – Star Wars/Guerra nas estrelas – sedimentaram a cultura pop em torno desses devaneios interestelares.

Confesso que prefiro a Jornada no que ela apresenta de elementos de exploradora espacial, um misto de sociologia, antropologia, ou seja uma expedição científica com doses de diplomacia e clima de guerra fria. Perigos, sim, aventuras, idem, e um sutil clima de ira, incomunicação e interlocução possível com outros habitantes do universo. Apesar, claro, da série explicitar também essa ideia abominável de expansão de territórios, vigilância e colonização.

Aliás, contrariamente a esse estigma civilizacional, penso, que a onda interplanetária que atravessou o anos 60 e 70, era uma adesão “contida” à tal corrida espacial, mas também uma resposta crítica à corrida armamentista, aos apelos da natureza que já gritava, à lógica econômica excludente,  às ditaduras mundo afora, inclusive no Brasil.

Acho que é uma contribuição para esse desejo coletivo de largar a bola azul nas mãos dos que se esforçam todos os dias por esgarçá-la em beneficio de poucos e, sadicamente, aqueles que seguem cegamente seus ditames e ainda aplaudem.

Até hoje, em certos dias, até mesmo aos domingos, curto ouvir – lançando meus trinados aos quatro ventos – a canção do Raul Seixas (1945-1989) que pede ao moço do disco voador para não deixá-lo aqui.

“E da janela

Desses quartos de pensão

Eu como vetor

Tranquilo eu tento

Uma transmutação” (SOS, Gitá, 1974) Raul Seixas | S.O.S

Sempre que abro uma playlist aleatória de saudades, se puder, invoco um Elton John só para tirar os pés da terra e vagar e querer voltar feito um Rocket Man.

“E eu estarei bem no alto

Como uma pipa quando chegar lá

Eu sinto tanta falta da Terra

Eu sinto saudades da minha esposa

É tão solitário no espaço

Em um vôo tão eterno”

Elton John – Rocket Man (Official Music Video)

Mas, brasileiramente falando, acho que a música de Edson Ribeiro (1935-2000) e Helena dos Santos (1922-2005) traduz bem o sentimento enluarado dos incongruentes. A canção desfila ao lado de outros tantos hits do cantor Roberto Carlos. Não sei se das mais ouvidas, mesmo se adequando com louvores às baladas românticas do rei. Ouço e recomendo.

Na letra da canção solidão, o romantismo sofrido e desencantado, é pontuado por sentimentos de deslocamento, descolamento da vida social, abandono, questionamentos e possibilidade (ou sonho, qual Ìcaro) de fuga pro alto dão o tom melancólico.

“Não tenho mais nenhuma razão

Pra continuar vivendo assim

Não posso mais olhar tanta tristeza

Por isso nao vou mais ficar aqui

O mundo que eu queria não é esse…

… Vou desligar os controles da nave espacial

para ficar para sempre no espaço sideral

Não vou voltar para terra não”

            Roberto Carlos – O Astronauta (Áudio Oficial)

Por outro lado, também há nesta canção uma esperança. A de “que um outro mundo tudo vai resolver” (roubei o verso da canção  “Não creio em mais nada” (1970), de Paulo Sérgio.https://share.google/NBBA5k0zV8FPf5bKX. Um outro mundo, um outro lugar, uma nova vida, uma outra vibração. Acho que até o arranjo e a interpretação da canção ajudam na concepção desse clima de desencanto e perspectiva quimérica.

Os desejos de embarcar em uma nova vibe, com certeza, invadem os seres cada vez que os racionais se amoldam, cordeiros,  aos estágios distópicos. O que não é raro, convenhamos, aos terráqueos da vez. Soa como um permanente estado de insatisfação e, por que não, de rebeldia.

P.S: enquanto finalizava esse texto, sacolejando em um bus azul, linha 5101, destino Cabedelo, do nada, ouço os acordes de “Astronauta de Mármore” (Nenhum de Nós, 1989, no álbum Cardume), versão da canção “Starman”, de David Bowie (1947-2016). Se há conexões nesse caso, que nos mandem sinais os homens do espaço.

Edson de França, é pessoense, jornalista, cronista e poeta

Deixe seu comentário