Ciclo da infância, recheada de inocências, quimeras, inúmeras esperanças, energia e traquinagens. Ciclo da juventude, ânsia de descobertas, furor hormonal, beleza, força, rebeldia, espírito aberto às aventuras e aos diversos desbravamentos. Ciclo da produção adulta, trabalho e mais trabalho, algumas realizações, rotinas, estresses, frustrações. E assim, nessa vibe, são consumidos primeiros dias mais floridos da existência.
Por fim, depois de gozar dessa pulsação, chega-se ao ocaso, a idade da madureza extrema e da progressiva decadência física – para alguns da razão e da sapiência -, onde teoricamente se inicia aquele revisionismo em tela, que alguns relatam quando da chegada ao limiar da dimensão dos desencarnados. Esclarecendo: é nessa fase que o indivíduo começa a remoer seu passado, rever situações vividas, lamentar pelo que não fez, celebrar o que executou, arrepender-se de algumas cositas má prontas, peraltices e maldadezinhas pontuais.
Contudo, todo esse determinismo serve apenas como esboço de vida a ser apresentado num slide show esquemático. A existência em si é bem mais complexa. Não se resume a um esqueminha datado e previsível – começo, meio, fins – e qualquer apresentação sobre ele soa apenas como a captação superficial de regularidades que todos, em maior ou menor extensão, experimentam.
Todos, igualmente, estão sujeitos a esses estados, etapas ou fases. Ninguém, porém, as vive de forma igual e no tempo determinado. Há gente que é obrigada a envelhecer em pleno gozo das juventudes, por exemplo. Assim como há jovens sorumbáticos, há de haver velhos pândegos, adultos improdutivos e frustrados. Em alguns casos, gente lutando pra enganar a idade, prolongar o improrrogável.
Falamos até agora de ciclos, como fases implacáveis da vida, porém, internamente à esses ciclos, podemos ainda delimitar estações. Compreendamos aqui as estações como aqueles momentos marcantes que merecem rememoração. Tempo de escola, por exemplo, e os amigos, os professores queridos, os rituais de casa, os cuidados dos tutores, as pequenas aventuras, o despertar da paixão, os pequeníssimos feitos nos esportes.
Afora isso, as “estações felizes” deixam traços sensoriais. Os cheiros, os sons e as cores tatuam, de fato, os instantes com sua natureza indelével. Permeiam-os, dão-lhes vida e sentido. São endereços a que sempre se volta quando das evocações sentimentais e nostálgicas.
Cada um desses eventos tem potencial para definir um recorte, um micro “período áureo”, uma fase de “melhor de nós”. Paisagens, ambientes, pessoas e o fervor das relações nos marcam. A idade das paixões, dos amores, da curtição, da frequência irresponsável aos bares, dos cuidados com a beleza exterior, do orgulho das conquistas materiais, da obediência cega aos imperativos da moda, da produção laboral e do convívio interpessoal nos ambientes trabalho.
Tudo passa. Não há maneira de prolongar o estado de êxtase – via estado de espírito, atributos estéticos, criatividade ou realizações materiais – que experimentamos em algumas estações.
Na verdade, há algo permanentemente duo em nós: uma viga mestra que ondula entre uma versão nossa enfadonha e desgraciosa, que é só entrecortada pelos picos de excelência. Sendo esta última relacionada àquelas versões de nós traduzidas em desempenho, vigor e felicidade. Infelizmente, tudo é drasticamente transitório. Em alguns casos, tragicamente efêmeros. O fato doloroso final é que o trem-vida não se demora na melhor estação de nós.
Por Edson de França, pessoense, jornalista, cronista e poeta






