A água quedava escassa no leito do rio. À primeira vista, pareciam mais pequenas poças, aparentemente sem muita profundidade, entremeadas por numerosos blocos de pedra. Jamais cheguei a ver aquelas pedras totalmente submersas, coisa que talvez só acontecesse quando da descida das águas de estação chuvosa. Elas estavam sempre à mostra, como fossem pequenas ilhas verdes-musgo-alaranjado, separando os pequenos sulcos de água.
Naquele estado, nada lembrava um rio corrente. Estávamos no sertão – exatamente cruzando a Br 230, em demanda do alto sertão, ainda em trecho urbano do município paraibano de Santa Luzia – e aquele cenário era extremamente comum para as condições climáticas da região.
Por sua vez, as pedras e a água e a vegetação rala formavam a seu modo um recorte de universo fantástico, desses que uma criança reinventa como cenário para aventuras. Correr perigo, gozar das explosões de adrenalina, redesenhar o mundo a sua vontade, por entre montanhas, cursos d’água, lagos abissais e vegetação ameaçadora.
Se embrenhar pelo meio daquela paisagem seria viver aventuras entre o reino das minúsculas criaturas que, por si, compõem um universo inteiro,um planeta à parte alheia aos olhos e à imaginação adulta. Certamente, por esse prisma onírico, seria fácil identificar Pokémons submersos, consumindo a folhagem, espreitando alguma presa ou recolhendo energias celestes, enquanto descansavam suas mandíbulas.
Nas horas que antecediam ao fim da tarde, quando a caravana por lá passava, os pescoços se voltavam para captar de relance a imagem das pequenas criaturas que ascendiam do fundo das poças para quentar ao sol. Eram tartarugas típicas do sertão, os cágados, que àquelas horas de sol poente se postavam, feito pedras cabeçudas, sobre os lajedos fragmentados. Um verdadeiro lençol de pedra, cascos e cabecinhas contemplativas.
Foi apreciando esse cenário que ouvi, pela primeira vez, elaborada em frase, uma manifestação efusiva sobre a questão climática. “No dia em que passarmos e elas não estiverem mais aí, estaremos fudidos!”. O emissor da sentença se referia, claro, à relação direta entre a presença de certas espécies no ambiente a com a sanidade, vamos dizer assim, do equilíbrio ecológico. A “sanidade” depende da sobrevivência das espécies, ou seja, cada vez que uma entra em extinção, o restante corre perigo. A presença e a repetição dos hábitos das espécies em seus habitats nativos, sabe-se hoje, são sinalizadores dessa saúde.
Há dias li impactante reportagem sobre a limpeza dos parabrisas dos veículos, após longas jornadas rodoviárias. Pergunta-se, o que parabrisas limpos tem a ver com ecologia? Numa palavra, total a ausência de insetos. Aquela presença incômoda revelava o nível da saúde ambiental. Sem ela, há sinais de um processo de degradação em marcha. Processo que desequilibra os diversos ecossistemas, comprometendo a saúde integral dos ambientes.
A convivência com o meio ambiente, portanto, pressupõe atenção, observação e cuidado. Quando se adquire consciência do nível de dependência entre as espécies, passa-se a viver um outro estágio. Na produção de alimentos, por exemplo, é preciso refletir sobre o papel de abelhas, formigas e outros seres no processo.
Como afirma relatório da Embrapa “os animais são como termômetros naturais” e revelam, como nossa existência, nossos engenhos, nossas iniciativas de produção consegue, ser exitosas sem matar a fauna preexistente.
Viajante, ao passar pelo Quipauá, por um final de dia, repare se os quelônios ainda se encontram por lá, a quentar o sol do dia que se despede. Elas são um lembrete vivo de que as maiores lições sobre a sustentabilidade e a vida, por vezes, estão nos pequenos seres que contemplamos ao final de um dia cruzando os sertões.
Edson de França, pessoense, jornalista, cronista e poeta.






