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Uma das notícias “astronômicas” que mais repercutiram na internet e nos noticiários de todo o mundo nas últimas semanas é que um meteoro havia caído na Nigéria causando uma explosão que criando uma cratera de 21 metros e destruindo mais de 100 casas da cidade de Akure. Entretanto, com base em tudo que já foi divulgado, podemos afirmar que este incidente foi causado por explosivos e nada tem a ver com algo que tenha vindo do espaço.
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Cratera formada em Akure, Nigéria – Fonte: The News Nigeria
“Na manhã de sábado, 28 de março de 2020, um grande asteroide caiu em Akure na Nigéria, destruindo mais de 100 casas e deixando uma cratera de 21 metros”. Essa era a manchete na maioria dos portais que reproduziram a notícia no Brasil e no mundo. Parece exagero, não é?
Todo jornalista tem como obrigação noticiar a verdade e os fatos. Em situações assim, eles geralmente buscam se informar bem antes de publicar uma matéria, e nesse caso não parece ser diferente. Entretanto, não é difícil ver que muitas vezes são usados artifícios para tornar uma notícia mais atraente para o grande público e, em alguns casos, esses artifícios afastam a notícia da verdade.Pesquisando em vários portais nigerianos, é possível reconstituir os fatos e compreender porque esse incidente foi erradamente associado à um meteoro.Era madrugada de sábado, 28 de março na Nigéria. Um caminhão trafegava na estrada que liga as cidades de Akure à Owo, na Nigéria. O caminhão era escoltado por seguranças, pois transportava uma carga de explosivos que seria levado até uma instalação de armazenagem em um estado vizinho. Por volta da 01:00 da manhã, enquanto passavam pela periferia de Akura, a 2 quilômetros do aeroporto da cidade, seguranças e outros agentes notaram uma fumaça vinda do caminhão. O veículo foi parado e depois de inúmeras tentativas de extinguir as chamas, ele e sua carga se incendiaram, causando uma forte explosão que foi sentida em Akure e seus arredores. A explosão gerou uma enorme cratera de 21 metros que interrompeu a estrada. Uma igreja, uma escola e pelo menos 70 residências em um raio de 1 quilômetro foram danificadas. Ao menos 13 pessoas ficaram feridas, mas felizmente, ninguém morreu. Graças à incrível habilidade de fuga desesperada de uma explosão eminente, nem mesmo aqueles que tentavam apagar as chamas morreram na explosão.

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Cratera e prédios danificados pela explosão – Fotos: reprodução/Twitter

Esta foi a versão foi apresentada pelo Governador do Estado de Ondo, Rotimi Akeredolu em uma série de tuítes postados ainda no dia 28 de março. Entretanto, mesmo uma semana após o incidente, a explosão em Akure continua a gerar uma série de controvérsias. E um dos principais motivos é o fato dos nigerianos não confiarem muito em suas principais autoridades.

Alguns autodenominados investigadores voluntários chegaram a cravar: “Foi um atentado a bomba do Boko Haram”. O Boko Haram é um grupo terrorista jihadista fundamentalista islâmico sunita de forte atuação na África. Entretanto, eles costumam ser um pouco mais competentes em seus atentados. Não tem o hábito de detonar grande quantidade de explosivos de madrugada em estradas vazias e deixando um total de zero mortos.

Não haveriam muitas dúvidas a respeito do ocorrido. Ao menos, não sobre o fato central de que a explosão teria sido causada por explosivos. Poderia-se questionar alguns detalhes, por exemplo, se os seguranças tentaram realmente conter as chamas ou se partiram logo para o “salvem-se quem puder”. Ou ainda, poderia-se questionar a origem das chamas. Havia algum fumante no comboio?

Mas tudo mudou de repente quando, ainda na manhã de sábado, chegou ao local o Professor de Geofísica e Engenharia Sísmica da Universidade Obafemi Awolowo, Adepelumi Adekunle. Enquanto o Governador Akeredolu orientava a população a deixarem a área devido ao risco de ainda haver algum explosivo enterrado, o Professor Adekunle e sua equipe analisaram todo o local do incidente e chegaram a uma conclusão completamente diferente:

“As evidências de campo apontam para a conclusão de que um meteorito oriundo do cinturão de asteroides, viajando no espaço a uma grande velocidade, impactou o local em um ângulo de 43° criando uma cratera e ejetando material na direção sudoeste” – concluí Adekunle.

Segundo ele, colaboram para suas conclusões o fato de não haver nenhuma evidência de veículo enterrado nem ter sido encontrado algum tipo de detonador. Sua equipe encontrou fissuras com espessura de 3 milímetros a 4 metros na parede da maioria dos edifícios, mas não na base dos edifícios. A maior parte da destruição ocorreu na parte superior e nos tetos dos edifícios. Também relatam terem encontrado “rochas estranhas e objetos metálicos estranhos” no interior da cratera.

Não importa o quão absurda seja a teoria do Professor Adekunle, não importa o quão frágeis são os argumentos frente à enorme quantidade de evidências que a versão oficial sustentava. A mais fantástica das hipóteses foi, de fato, a que ganhou a mídia. E mesmo nas matérias que evidenciavam o absurdo dessa teoria, usavam-na para estampar suas manchetes e assim, chamar a atenção do leitor.

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Matéria da TV Plus Africa: Explosão em Akure – Em quem devemos acreditar? Governo ou Cientistas? – Fonte: TV Plus Africa

Quem quiser, pode ver a explanação do Professor Adekunle nesse vídeo gravado no local do incidente: https://youtu.be/D3i9JmsJhMIDepois de assistir a tão convincente explicação do Professor Adekunle, ainda mais se você conseguir compreender esse inglês falado por ele, pode ser que tenha ficado alguma dúvida sobre a origem da explosão. De fato, se você não quiser acreditar na versão oficial das autoridades locais, pode até divagar por diversas teorias conspiratórias, mas fica difícil entender porque o governo assumiria uma falha desastrosa, que destruiu dezenas de casas e feriu várias pessoas, para esconder um fenômeno natural e improvável que seria o impacto de um meteorito.

Além disso, para esconder um impacto, o Governo da Nigéria precisaria de um trabalho bem mais pesado do que simplesmente inventar uma outra versão.

No meio científico dos que estudam esses fenômenos, costuma-se dizer que um meteoro grande o suficiente para causar uma cratera não cai impunemente na Terra. Para gerar uma cratera, o meteorito precisa atingir o solo em uma velocidade supersônica, e isso só ocorre em objetos grandes o suficiente para não serem completamente consumidos nem freados completamente pela atmosfera da Terra. Só que quando isso ocorre, gera um grande meteoro que brilha intensamente e pode ser visto a centenas de quilômetros de distância. Isso significa que inúmeras pessoas poderiam ter visto, e várias câmeras de vigilância pela Nigéria, e até mesmo em países vizinhos, poderiam ter registrado o meteoro caso ele tivesse realmente acontecido. A passagem do meteoro em velocidade supersônica pela atmosfera geraria também uma onda de choque que poderia ser escutada em um raio de até 100 quilômetros do local do impacto e certamente causaria estragos em uma área bem mais abrangente que a que ocorreu em Akure.

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Meteoro registrado sobre o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, em 2010 – Créditos: Kwon Chul
Além disso, o impacto desses objetos maiores na atmosfera gera uma onda de infrassom que pode ser registrada na rede internacional de infrassom que é administrada pelo governo americano. Essa rede foi criada durante a Guerra Fria, para detectar explosões nucleares na superfície do planeta, mas ela também tem a capacidade de detectar as explosões causadas pelo impacto de pequenos asteroides com a atmosfera, e não há nada detectado nessa rede desde o dia 04 de março.
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Impactos de pequenos asteroide detectados pela rede de infrassom – Fonte: CNEOS/JPL/NASA em 08/04/2020
Diante de tantas evidências, é impossível sustentar a hipótese de que a cratera em Akure tenha sido provocada pelo impacto de um meteorito. Não sou especialista em explosivos, mas imagino que uma carga capaz de gerar uma cratera de 21 metros e danificar casas a 1 quilômetro de distância, certamente é potente o suficiente para transformar o caminhão que levava os explosivos em um bocado de “objetos metálicos estranhos” como os encontrados no fundo da cratera. Então, por mais descrédito que as autoridades locais tenham, me parece que a versão oficial é a mais palpável e mais próxima da realidade que se tem até então.

Marcelo Zurita – (83) 99926-1152
APA – Associação Paraibana de Astronomia
BRAMON – Rede Brasileira de Observação de Meteoros
Asteroid Day Brasil – Coordenação Regional Nordeste
SAB – Sociedade Astronômica Brasileira
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