Partiu da arma de um cabo da Polícia Militar o disparo que, dois meses atrás, provocou a morte da estudante Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão. A informação consta do inquérito da Polícia Civil sobre o caso, que deve ser enviado nesta terça-feira à Justiça. De acordo com o documento, houve um “erro de execução”: o objetivo não era atingir a criança, mas dar um “tiro de advertência” para forçar a parada de dois homens que estavam em uma motocicleta.
A dupla teria fugido de uma blitz no complexo. Em seguida, o PM, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Fazendinha, efetuou o disparo. Segundo relatos de testemunhas incluídos no inquérito, o cabo estava sob forte tensão devido à morte de um colega três dias antes e, por isso, pode ter confundido uma esquadria de alumínio que o garupa segurava com uma arma.
A tragédia ocorreu no início da noite de 20 de setembro. Onze dias depois, o policial militar participou da reprodução simulada da morte de Ágatha no mesmo local, apesar de parte de seus colegas terem se recusado a fazê-lo. Segundo uma fonte ligada à investigação, “ele está muito mal e diz o tempo todo que que não queria acertar a menina”.
Um relatório do Instituto de Criminalista Carlos Éboli (ICCE), entregue à Delegacia de Homicídios da capital (DH), apontou que um fragmento de projétil encontrado no corpo de Ágatha tinha ranhuras idênticas à do cano do fuzil usado pelo PM. Ainda de acordo com o laudo, a bala atingiu primeiramente um poste. Foi um estilhaço que provocou a morte da menina, perfurando suas costas e saindo pelo tórax. A criança chegou a ser levada para a Unidade de Pronto-atendimento do Morro do Alemão, de onde foi transferida para a emergência do Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha.
Nesta segunda-feira, o delegado Daniel Rosa, titular da DH, não quis comentar o caso. Segundo ele, a Polícia Civil apresentará nesta terça-feira o resultado completo de toda a investigação.
Mais de 20 pessoas foram ouvidas no inquérito, incluindo os pais de Ágatha, o motorista da Kombi na qual ela estava com a mãe, no momento em que foi atingida, outras testemunhas e PMs. A Polícia Civil não informou se o responsável pelo disparo será enquadrado em algum crime.
Além da DH, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) também apura o caso. A PM não informou se já existe um resultado para essa investigação.
Mãe segue na luta por justiça
No último dia 5, Vanessa Francisco Sales, de 32, mãe da menina, esteve na DH da capital e cobrou respostas para a morte da filha. Segundo um advogado da família, foi impedido o acesso deles às informações da investigação, sob a alegação de que o inquérito foi conduzido sob segredo de Justiça. Na época, o procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Rodrigo Mondego, chegou a criticar a postura dos investigadores do caso.
— A gente não tem acesso ao caso porque está sigiloso. Até quando vai estar? Quando vai sair essa resposta? Até quando? — questionou Vanessa, muito emocionada: — No dia em que eles (os policiais civis) conversaram comigo disseram que iam fazer o possível para 30 dias (concluírem a investigação). É claro que como ele disse (o delegado), ninguém tem prioridade. Mas eu como mãe quero uma resposta.
Vanessa pediu que os culpados sejam punidos.
— Não pode ficar assim. Não pode haver mais Ágathas, outras crianças, que isso se apague. A gente quer que seja feita justiça — pediu Vanessa, que desde a morte da filha não conseguiu voltar para casa.
Ágatha faz parte de um grupo de seis crianças que morreram vítimas de bala perdida neste ano. Na semana passada, a vítima mais recente dessa estatística foi Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, de 5 anos. A menina ia de bicicleta com a mãe para a escola, em Realengo, quando houve um tiroteio e ela foi atingida. Um jovem apontado como assaltante seria o alvo dos disparos. Até agora, apenas o inquérito sobre Ágatha foi concluído.