Em celebração ao título, tratado como a minissérie de maior audiência da TV, "O Auto" acaba de chegar ao Globoplay e merecerá uma reprise na Globo a partir de 7 de janeiro, às 22h40, em quatro capítulos. (Foto: Reprodução)
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Ao completar 20 anos, “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, foi remasterizada, ganhando ainda uma nova finalização do céu e nova abertura. Em celebração ao título, tratado como a minissérie de maior audiência da TV, “O Auto” acaba de chegar ao Globoplay e merecerá uma reprise na Globo a partir de 7 de janeiro, às 22h40, em quatro capítulos.

Para o diretor, o grande benefício de trazer a série de volta neste momento, além do seu valor artístico atemporal, é trazer à tona um Brasil real, hoje oprimido pelo Brasil oficial, como dizia Suassuna, citando Machado de Assis.

“A gente está vivendo muito no Brasil oficial, é só Brasília, quem vai ganhar a eleição, política, e o Brasil real está aí, com um bando de João Grilo e Chicó, que sobrevivem sem nenhuma assistência e quase não há mais ligação entre esses dois mundos. Eles não são proselitistas: o João Grilo (Matheus Nachtergaele) é absolutamente individualista, não faz nada para os outros, só que ele tem ética. É uma lição: você precisa comer, sobreviver e se virar. Então, é uma visão voltada para a direita e para a esquerda.”

Arraes alerta ainda para a visão da religião no “Auto”, contrária à igreja oficial. “O Ariano era protestante, convertido. No Auto, João Grilo fala com Nossa Senhora (Fernanda Montenegro) e com Jesus (Norton Nascimento).”

E há a questão dos maus patrões, vividos por Diogo Vilela e Denise Fraga, outro foco que rende holofotes nas discussões atuais. O elenco conta ainda com Rogério Cardoso, o padre, e Lima Duarte, o bispo.

“Não é uma comédia regional comum, é uma comédia que transcende a região e é muito engraçada, evidentemente”, disse Arraes em entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.

Invariavelmente paparicado por atores, roteiristas e críticos, Arraes diz que não gosta de revisitar suas obras e por isso se recusa a ver “O Auto” de cabo a rabo. “Fico achando que ou eu vou ser muito crítico e vou deprimir, ou eu vou achar que não consigo fazer melhor”, diz.

Desta vez, só reviu imagens relacionadas ao céu porque surgiu a chance de fazer uma pós-produção que não era possível na época. “Eu tinha pesadelos de imaginar um céu de nuvens de fumaça no chão. Eu pensava e não vinha nada.”

Agora, a primeira parte do céu foi uma modificação da igreja, como se o céu fosse não o céu de todo mundo, mas aquele céu do sertanejo: tiramos a igreja, as paredes, mas na igreja que virou céu tem também um céu, o céu do céu.” Melhor é assistir.

“É muito doido fazer de novo 20 anos depois, é um negócio que não termina”, diz.
A abertura nova, com forte remissão à arte bizantina, “conversa com esse céu”, até para lembrar que Auto é um julgamento no céu, cenário que só estará presente nos últimos capítulos.

Morto em 2014, Suassuna teve a oportunidade de agradecer Arraes pelo resultado final, mas nem sempre a adaptação foi de seu agrado. “Ele brincava que se ele não gostasse ia ter uma vendeta entre os Arraes e os Suassunas porque era uma casa na frente da outra”, lembra o diretor.

Foi a vizinhança que levou Arraes a confessar ao dono da casa da frente de se pai que seu sonho era levar para a tela aquela que é, na sua opinião, “a melhor comédia brasileira”. “Vou guardar para você”, prometeu o autor, pressionando Arraes a honrar o pedido. “Mas eu nem sei se eu vou realmente conseguir fazer”, respondeu o diretor. “Não tem problema, é sua”, insistiu.

“Um dia ele falou: ‘fulano me pediu pra produzir ‘O Auto’ e eu disse que já era sua’. Demorei uns três anos, três anos e meio, para fazer”.

Ao ver o primeiro planejamento para a adaptação, no entanto,  acrescentando elementos de sua própria obra e itens de forte referência para suas histórias, como Molière e cordel, Suassuna reagiu: “Eu autorizo que você pegue qualquer coisa minha, mas não quero que você pegue coisas dos outros.” “Eu falei: ‘Ariano, olha , eu tenho que triplicar o tamanho da peça, a peça é incrível, ainda enxuguei muito porque teatro é outra coisa, a trama da peça está toda lá, mas para a série, precisaríamos de mais’. Gelei, e ele falou: ‘então, faça como você quiser'”.

Dali até a estreia, os dois não mais se falaram. Depois, Arraes soube, pelos familiares de Suassuna, que o escritor viu o primeiro capítulo sozinho. Depois, passou a aceitar mais alguns familiares na sala, e, no último episódio, já havia uma festa em volta da televisão.

“O Auto” tem ainda uma versão para cinema, concebida ainda durante as filmagens, com menos tempo de conteúdo. Foi a primeira de uma série de experiências que seriam feitas pela Globo com a proposta de desdobrar uma produção em formatos distintos.

Folha de S.Paulo 

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