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O primeiro dia do ano será um domingo. Alvíssaras. Primeiro dia de uma trajetória de 52 semanas. Evoé. Primeiro dos 365 dias que, queiram os deuses, havemos de atravessar com leveza. Salve. Como em todo começo de jornada, olharemos para mais esta com um misto de expectativa e um certo receio, sim, um sentimento tão comum aos navegantes antes de lançar-se ao mar.

A metáfora do navegante. Homem que se atira ao mar trajado de coragem e dispondo, na maioria das vezes, de embarcações bastante suscetíveis às lascívias das ondas. Num primeiro momento, o contato sugere cumplicidade mas, vez em quando, porém, ei-los tão fragilmente disponíveis à voracidade das águas bravias. Mares tão vaidosos, temperamentais, raivosos e dados a reações tão abruptas, como a ira do Deus que lhes anima as vagas. Assim é a vida: andamento, tempo e contratempo feito música.

Nos quedamos, é verdade, aos caprichos do mar/vida. Nosso planejamento para o feito não vai muito além dos recursos gastos na construção do meio/veículo que há de nos levar. Vai-se de corpo nú. Vai-se de caíco. Vai-se de transatlântico. Nosso primeiro passo é confiar nos próprios meios e dar-se às águas, reunindo a expectativa e a coragem que nos habita naquele momento preciso.

“Para rio pequeno, canoa/Para rio grande, navio”. Almir Sater e Renato Teixeira sabem das coisas mínimas e das grandezas da vida. Cada um vai como pode. Não vale a auto-sabotagem, a paúra, o desespero. Não cabe o pessimismo doentio e atravacante. Vale a fé e a esperança Vale só navegar. “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Que nossa vontade supere as limitações de toda ordem.

“Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. O poeta Fernando Pessoa, com este verso, fala de planejamento. A criação no caso dialoga com o expediente de simplesmente “estar no mundo”. É imprescindível não limitar o ato de viver. É preciso expandi-lo. Pensar o mundo, seu lugar no mundo, instuir o lugar o outro, respeitá-lo, enfim construir pontes e ligações.  A confraternização universal não é só um dia a se celebrar.

Seremos sempre inexoravelmente tocados pela materialidade. É preciso ganhar dinheiro, amealhar bens, brigar para manter o status. Mas é preciso um pouco “mais de alma” para atravessar os dias os dias, mares que virão. Dinheiro se ganha, se perde; bens são depreciáveis, status e prestígio acusam a influência das avaliações circunstanciais de atos e nível de visibilidade. Ele também é submetido ao crivo do esgotamento, da dilapidação e da caducidade.

É preciso estar atento ao conceito de transitoriedade das coisas. Nada na existência é permanente. A vida tá nem aí para os planejamentos imutáveis, para as regras e inflexibilidade dos planos e crenças. “Tudo muda o tempo inteiro no mundo”, como diria Nelson Motta. Não é simplesmente um dia no calendário, a contagem regressiva, o segundo da passagem de ano, sob o espocar de fogos, abraços e brindes que vão mudar tudo. Vale o ritual, afinal é mais um rito de passagem. Celebremos.

Na segunda-feira os compromissos estarão nas ruas a nos esperar. Estarão instalados por toda a casa, repartições e espaços de convívio nos aguardando. As exigências da vida prática continuarão fazendo as honras do mundo, nossa casa, elas jamais cessam, afinal de contas. Vamos nós, então, um ano novinho em folha para “gastar”, ou melhor, rechear cada dia de fé, amor, generosidade, doses de humanidade, amizade, sentimentos de mundo, música, cumplicidades, respeito ao outro,  gentilezas, poesia e “algum veneno para dar alegria”. Que criemos as condições e “vamos lá fazer o que será”.

Por Edson de França

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