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Os concursos em geral são um atrativo suculento para quem busca a estabilidade no emprego. Em termos diretos, leia-se por “estabilidade” a possibilidade de obter uma renda mensal líquida e certa. Isso, de certa forma, é uma das únicas garantias que o serviço público de base oferece. Historicamente, a não ser em administrações de malfeitores ou desastrados, raramente o funcionalismo público experimentou o dissabor de faltar o l’argent para o “pirão” ao final de cada mês.

Num país onde pouco ou nada se ensina sobre a arte da autodeterminação empreendedora, o concurso é essa brecha para quem não adquiriu a habilidade de construir riqueza ou manter a subsistência digna por meio de algum engenho criativo.

Sendo assim, o tal emprego, de preferência facultado por concurso, faz brilhar os olhos até de quem defende (incautamente, creio) o fim do estado e a precarização (ou celetização massiva)  irreversível do serviço público. Como você deseja a “estabilidade” se pensa e contribui para o descrédito e desestabilização das instituições públicas? Durma-se com uma contradição desse tamanho e fica o questionamento.

Por isso tudo, em torno do concurso se formou uma verdadeira indústria, com a criação da profissão transitória de concurseiro, dos professores e técnicos bem intencionados e da aparição dos coaches para certames públicos. Estes últimos para lá de suspeitos, diga-se de passagem. A briga é feia e a atenção à agenda de concursos anuais beira as raias da loucura e a síndrome da “ideia fixa” mobiliza multidões. Desconfio até que já existe um sub-segmento da indústria turística dedicada à mobilidade de concurseiros e que explora esse filão brasis afora.

A concorrência é grande e todos querem chegar lá. imagine-se então o nível de concorrência e a “letalidade ética” das armas utilizadas nesse processo. Vale de tudo. Da serenidade, aplicação e disciplina dos honestos à fé e reza dos pouco afeitos a rotina dos livros e apostilas. Estes aos quais o currículo de boas ações e a displicência momentânea dos deuses vai fazê-los adquirir aquela colocação desejada. A fauna é enorme e variada. Um livro volumoso seria incapaz de catalogar todos os espécimes.

Até a estratégia dos tipos que defendem o desmantelamento do estado pode ser explicada no contexto: talvez não passe de um sonho ditatorial, um sonho de driblar a instituição do concurso público e auferir mais um benefício de classe. Por lá os cargos de estado, assim como acontece nas altas cortes e primeiro escalão temporário, seriam decididos à base da indicação. Lugar onde os usos de outros atributos, que não sejam exatamente técnicos, seriam utilizados. A beleza e os atributos físicos, a bajulação, a sujeição, a troca de favores, o dedo durismo e por aí vai seriam as moedas no sistema de troca de favores. E, claro, também com a instituição de concursos de fachada para lá de viciados.

Um tipo, porém, que tem se destacado e ocupado o noticiário é a dos desonestos contumazes. Desde criança ouço falar de concursos, participei de alguns, bati na trave em outros e hoje vivo basicamente de um emprego público em regime estatutário, conseguido através de concurso público. Desde o princípio, no entanto, também convivi com comentários à boca pequena sobre a pouca lisura dos certames. Dos favorecimentos e outros expedientes humanamente desclassificatórios.

O que espanta como fenômeno é a utilização de qualquer ardil para conseguir vagas no serviço público, contradizendo muitas vezes a própria natureza de algumas profissões de Estado. Nos últimos tempos temos acompanhado isso bem de perto. Depois de uma formatura de policiais praças em João Pessoa, um dos novos praças roubou um carro. Essa não deu no jornal, eu vi. Nacionalmente, o curioso caso de juízes que desconhecem a lei e levantam suspeições quanto a suas formações.

A cada novo concurso para policiais é descoberto um novo meio de burlar as regras e obter uma das vagas, já desvirtuando e traindo, desde o início, a “filosofia” da função que almeja ocupar. Chega a ser irônico. Carreiras que pressupõe a honestidade, a civilidade, a obediência aos padrões disciplinares, o seguimento de regras rígidas e o mais alto grau de espírito público e comunitário, sendo disputadas, por meio de ardis fraudulentos, por almas notadamente desonestas.

Verdadeiramente, o concurso público é uma guerra, concordamos. Vende a ideia de estabilidade que é, verdadeiramente, o que todos almejam. E vende bem demais. A tal que ponto que desperta o pendor para a vigarice de alguns candidatos. Burlar as regras, driblar a vigilância, fraudar o processo e superar a concorrência crédula é o que se procura. Se há um concorrente que busca uma vaga por esse meio já no início, questione-se que contribuição benéfica poderia emprestar o tal cidadão para o serviço público depois de empossado?

Enquanto finalizava esse texto, a imprensa do estado repercutia mais um caso de tentativa de fraude em concurso, desta vez no certame promovido pela Universidade Federal. Como se aproxima o carnaval, a marcha dos malfeitores continua.

Por Edson de França 

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