Compartilhe!

A carta data de 3 de maio de 1974, portanto trazia reminiscências de um tempo pregresso. Por essa quadra contava eu com 8 anos vividos, portanto não peguei a fase a que o poeta alude e pouco transitava praqueles lados, mas do pouco que vi, o cajueiro sempre esteve presente, assim como as mangabeiras fazem parte da minha memória afetiva quando se fala do litoral sul, dos Mituacu, Paripe, Gurugi e Ipiranga.

Nos diz o cronista “Meus contemporâneos sabem: toda a nossa orla marítima, até Cabedelo, era um imenso cajueiral nativo até os anos 1960. Pouquíssimas casas de veraneio quebravam a uniformidade da paisagem colorida pelos cajus vermelhos e amarelos, tantos, que não havia quem os colhesse – e eles então caíam dadivosamente no arenoso chão e alimentavam fartamente os passarinhos de todos os cantos. Bucolismo? Sim. Em plena urbe.”

E continua o cronista, narrando entardeceres de verão, quando saia com  amigos, “com cestas e varas na mão, exatamente para colher esses cajus que pareciam eternos e que infelizmente sumiram por força da crescente urbanização de nosso litoral, a partir dos anos 1970”.

Em 1974 estava eu com 8 anos de idade, contemporâneo portanto do fenômeno chamado de urbanização que, numa palavra, quer dizer expulsão de quem não parece “contribuir” para economia de seu hábitat natural. Visitei um dia um tio que residia numa região que, salvo engano, era Tambaú. Casa simplesinha, com areal branco e frutíferas. Essa imagem volta sempre como um retrato que, forçosamente, vai esmaecendo à medida que os anos passam.

Acho que a carta direcionada a minha amiga foi a última que escrevi. Adaptei-me ao e-mail que, aos poucos, vai caindo em desuso, pelo simples pecado de facultar ao redator “missivas” mais longas, com aprofundamento e fortuna de argumentação. Adapto-me, aos trancos e barrancos, à urbanização. Creio que nada a sucederá, tende a se acirrar derrubando cajueiros para levar mais “gente” pras proximidades do mar, enquanto periferiza outros tantos.

Ando perdendo de vista a flora generosa e o odor embriagante proporcionado pelas frutíferas desde a floração. Navego, enfim, em meio ao concreto que não dá frutos, apenas atrai gente seduzida pela beleza, pela promessa de conforto e facilidades. Chegamos enfim, a estação do extremo prazer absoluto e imediato, não há tempo para maturar o caju. É preciso ter o caranguejo na mesa sem saber que o bicho nasceu no mangue e que, para tê-lo, é preciso manter seu habitat natural e respeitar seus ciclos.

Somos evolutivos e é aí onde, talvez, a poesia dialogue com a economia. A ideia de progresso constante institui a substituição permanente de modelos e formas de vida, assim como os cajueiros, mangabeiras e caranguejos. Assim como as cartas.

Por Edson de França 

Deixe seu comentário