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Dentre as muitas falas registradas em disco pelo Rei Luiz, uma delas é bem emblemática para o pensamento que quero aqui desenvolver. O rei, contam seus biógrafos e a própria obra revela, não tinha um lado político explícito, como seu filho Gonzaga Jr., por exemplo. Navegava conforme a onda e, como seria natural, tendente a defender pontos de vista mais conservadores ou, para os mais radicais, reacionários mesmo. Aberto esse parêntese, voltemos à fala referida.

Num dos causos contados, ele trata do processo de eleições nos sertões. Dia de eleição, diz ele, quando perguntados sobre em quem votaram, a resposta era unânime: “votei no coronel,”. De presidente a vereador, todo voto dado, na cabeça do capiau, seria devotado ao coronel, “o pequeno rei” da região a quem certamente devia favores e, mesmo lascado e explorado, agradecia pela “boa vontade” e, sem saúde ou assistência, pedia a Deus pela saúde do homem de poder.

Poder de “permitir viver” ou “mandar matar”, como quem joga a moeda pro alto para ver se dá cara ou coroa. O vassalato é talhado para dar a vida por seu mestre ou amo. A recíproca, porém, nunca será verdadeira.

Esse relato mostra fiel e escandalosamente um traço da cultura nordestina e, se sociologicamente analisado, demonstra como se dão as relações entre poderosos e subalternos. Relação de respeito, submissão, com boas doses de ignorância e fé, afinal preceitos religiosos também servem para garantir esse status.

A maioria de nós é incapaz de perguntar (ou explicar a sério) como se dá a produção de riqueza, que mecanismos contribuem para isso, que estratégias são utilizadas para mantê-la e perpetuá-la. Conhecimento e desconfiança não fazem parte do repertório básico de todo cidadão mediano. A ignorância e a ingenuidade, irmanadas com ideias preconcebidas (ou “cirurgicamente” inoculadas), são tudo o que nos define.

Por outro lado, temos uma capacidade infinda de fabricar altares de culto aos poderosos, não importando o nível de escrotagem que eles andam por aí utilizando para se tornarem tão proeminentes. A primeira lição a aprender seria que poderosos vivem em nome do poder, não importando qualquer outro valor humano ou de decência. Sobe-se aos píncaros do poder para exercer a magnitude ou a maldade; sendo nós humanos limitados, creio que a maioria dos poderosos que lá chegaram ou aspiram chegar optam pela segunda opção.

Se descem alguma vez do Olimpo onde se encastelam para defender uma causa coletiva, ou há valores impressos nas entrelinhas ou, mais claramente, jogadas de marketing pessoal, maquiavelicamente preparadas, envolvidas. O código de ética dos poderosos não comporta permissões de igualdade com outro semelhante, sobretudo se este compõe uma classe diferente. O poderoso desenvolve uma visão de mundo particular, arrogante e excludente.

Quando não o presenteiam com a indiferença, com “um muito prazer” já “passaram seu bolso em revista”. Definindo ,com esse tosco escaneamento,  em que parte do séquito você se encaixa: aliado próximo, babão intermediário ou lacaio de ponta. Explorados, semi-explorados – com a ilusão de proximidade –  e a ralé fiel, que deve ser mantida nos limites da ignorância extrema. Claro, alguém tem que carregar, graciosamente e agradecido, as pedras-base de todo constructo e, nem sonhar que seu esforço ilimitado alimenta os faustos da “casa grande”. Aquele baile a que você jamais será convidado.

Por Edson de França

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