Há uma grande preocupação atual com a pandemia decorrente do novo Coronavírus (Covid-19), tendo em vista principalmente alguns aspectos até então não vividos pela população atual, tais como a rápida disseminação com a consequente contaminação de milhares de pessoas com muitos registros de óbitos em várias partes do planeta, não ficando restrita apenas aos países mais pobres.
Em decorrência da rápida disseminação, a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou no mês de janeiro deste ano o estado de emergência de saúde pública, indicando assim medidas internacionais imediatas e urgentes, tendo sido decretado, em março, o estado de pandemia.
No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou, no dia 26 de fevereiro de 2020, o primeiro caso de novo Coronavírus em São Paulo, tendo se disseminado rapidamente para todas as regiões.
Em razão desse cenário de emergência, o governo federal editou rapidamente a Lei n.º 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, estabelecendo regras sobre o tema.
Nesta lei há diversas regras e medidas para contenção e controle da pandemia, tendo sido no texto da lei (art. 2.º, incisos I e II) especificado a definição de isolamento e quarentena, bem como ficou determinado que as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas estabelecidas e que o descumprimento acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei. (art. 3.º, § 4.º).
Diante das determinações desta lei, bem como diante de determinações de medidas locais de contenção, tem-se surgido questionamentos em relação a possibilidade de prisão em caso de descumprimento de medidas estabelecidas pela lei e pelas autoridades, uma vez que comumente se veem autoridades policiais fiscalizando e exigindo das pessoas o respeito à quarentena e outras determinações, indicando a possibilidade de serem detidas e conduzidas à delegacia para que sejam feitos os procedimentos criminais cabíveis.
Assim, o ponto a ser esclarecido neste texto é justamente este, pelo que reproduzo a pergunta que por mais de uma vez me fizeram: “HÁ POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM DECORRÊNCIA DO CORONAVÍRUS?”
Antes de responder a esta pergunta, deve-se esclarecer que em se tratando de matéria criminal no Brasil, alguém só pode ser preso em decorrência de ordem judicial ou em decorrência de flagrante delito, e, segundo o artigo 301 do Código de Processo Penal brasileiro, “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Assim, qualquer pessoa que esteja cometendo um crime (ou tenha acabado de cometer), estará sujeito a ser preso por uma autoridade ou por qualquer pessoa, pelo que resta saber se existe algum crime que podemos cometer em relação ao “coronavírus” que possa nos sujeitar a uma prisão em flagrante.
A resposta a essa pergunta será explicada de modo simples, sob a perspectiva da prática de crime com a consequente possibilidade de detenção e encaminhamento para a delegacia para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
São, enfim, cinco os crimes possíveis de serem praticados com relação ao Coronavírus:
1) EPIDEMIA
Trata-se de crime previsto no artigo 267 do Código Penal, sendo plenamente possível que alguém cometa esta infração penal ao não obedecer às determinações das autoridades públicas previstas na Lei n. 13.979/2020, de forma que pode dar causa a epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.
Esse crime se configura quando uma pessoa, sabendo que está doente, deixa de obedecer às determinações da lei ou das autoridades e ainda transmite a doença de modo a torná-la uma epidemia ou pandemia, pouco importando a localidade geográfica em isso ocorra.
É o caso por exemplo de alguém vai para uma localidade ainda não afetada pelo Coronavírus, e sabendo que está infectado, leva a doença para a localidade, causando a propagação.
Observe-se que este crime é punido com uma pena muito severa (até 15 anos), podendo a pena ser aplicada em dobro em caso de ocorrer morte.
Importante frisar que este crime é considerado de altíssima gravidade quando resulta morte, tanto que é caracterizado crime hediondo (art. 1o, inciso VII, da Lei n. Lei nº 8.072/1990), sendo possível até mesmo o decreto de prisão preventiva (art. 312 do CPP) e prisão temporária (art. 1.º, inciso III, alínea “i” da Lei n. 7.960/89).
Observe-se que a conduta também é punível a título de culpa, ou seja, quando o agente não tinha intenção de praticar a infração, mas agiu com negligência, imperícia ou imprudência, e, neste caso, a pena máxima será de até 2 (dois) anos, salvo quando da conduta culposa resulta morte, caso em que a pena será de até 4 (quatro) anos.
2) INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA
Trata-se de crime previsto no artigo 268 do Código Penal, em que a pessoa infringe determinação do poder público que visa impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa, incluindo-se, neste caso, o Coronavírus.
Em relação ao Coronavírus, ocorre o crime quando se infringe as determinações das autoridades públicas previstas na Lei n.º 13.979/2020, uma vez que esta lei traz determinações destinadas a impedir introdução ou propagação da doença.
Exemplo de infringência de medida sanitária preventiva é quando, por exemplo, a pessoa deliberadamente e dolosamente se nega ficar em isolamento, quarentena ou à realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos, conforme especifica a citada Lei n. 13.979/2020.
Pune-se com esta conduta com pena máxima de 1 (um) ano e multa, porém a pena sofre aumento de um terço se a pessoa é funcionário da saúde pública ou exerce profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, tendo em vista o compromisso profissional e conhecimento que essas pessoas possuem.
Importante frisar que para a configuração deste crime, não é necessário que haja a propagação do Coronavírus ou sequer que haja a contaminação de qualquer pessoa, bastando tão somente que a pessoa pratique a conduta.
3) OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO DE DOENÇA
Em relação a este crime previsto no artigo 269 do Código Penal, resolvi colocar nesta lista porque é pertinente ao momento em que estamos vivendo, porém, trata-se de um crime relacionado à pandemia que não pode ser praticado por qualquer pessoa, mas tão somente por médico.
Esses tipos de crimes que só podem ser praticados por determinadas pessoas, são classificados doutrinariamente como crimes próprios.
Ocorre o crime, enfim, quando o médico se omite em denunciar à autoridade pública a ocorrência de doença de comunicação compulsória como é o caso do Coronavírus, sendo que a Secretaria de Estado da Saúde (SES) da Paraíba assinou no dia 09/03/2020 uma Nota Técnica Conjunta reiterando a obrigatoriedade da notificação imediata até mesmo de casos suspeitos da doença.
Assim, a ocorrência deste crime se dá com a conduta do médico que após atender paciente com sintomas característicos do Coronavírus deixa de notificar o fato à autoridade competente, e também quando após ter o resultado positivo procede da mesma forma.
A pena aplicada é de no máximo 2 (dois) anos, além e multa.
4) DESOBEDIÊNCIA
Este crime, previsto no artigo 330 do Código Penal é de aplicação genérica, podendo ocorrer quando a pessoas desobedece qualquer ordem legal direta de funcionário público no exercício de sua função.
Em relação ao momento atual de pandemia, qualquer ato que desrespeite ordem legal de funcionário público no sentido de sujeitar a pessoa ao cumprimento das medidas previstas na Lei n.º 13.979/2020 ou qualquer outra determinação legal relativa ao combate ou prevenção do Coronavírus, pode configurar o crime de desobediência.
Entretanto, é imperioso destacar que o crime de desobediência só se configura se a ordem for legal (STJ, RT 726/600), ou seja, decorrente de alguma lei ou outra norma regulamentar formalmente imposta, não se configurando quando a ordem se dá pela autoridade sem embasamento em uma determinação legal ou regulamentar.
Por exemplo, uma pessoa que se encontra sentada na calçada de sua casa, sozinha e sem aglomeração, ao receber uma ordem de uma autoridade para que se recolha para o interior do seu imóvel, esta ordem não será legal por não existir uma determinação regulamentar específica neste sentido.
A pena aplicada é de no máximo 6 (seis) meses, além de multa.
5) PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
Este crime, que encontra previsão no artigo 131 do Código Penal, pode ser cometido por qualquer pessoa e ocorre quando alguém que está contaminado com o Coronavírus (e tem consciência disso), pratica ato com a finalidade deliberada de transmitir a doença para terceira(s) pessoa(s), configurando o crime mesmo que não haja a transmissão, bastando, assim, a simples prática da conduta.
Podemos citar como exemplo uma pessoa que, sabendo que esta infectado, passa a, maldosamente, conversar bem próximo de outras pessoas para transmitir a doença para estas ou, em outro exemplo, passa a saliva em locais em que as pessoas comumente colocam a mão, pretendendo contaminá-las.
É importante ressaltar que se o ato tiver a intenção de matar uma pessoa e isso venha a ocorrer em decorrência da doença transmitida, o transmitente responderá por homicídio.
A pena prevista para o crime é de do máximo 4 (quatro) além de multa.
Estes, enfim, são os crimes que podem ocorrer relacionados a pandemia do Coronavírus (ou qualquer outra pandemia), os quais podem ensejar uma condução do indivíduo para a delegacia em caso de flagrante delito, sendo que o Delegado averiguará a situação e qual o crime supostamente cometido para que aplique o procedimento cabível, seja o auto de prisão em flagrante (sendo possível em alguns casos a fixação de fiança), ou a confecção de termo circunstanciado de ocorrência se o crime for de menor potencial ofensivo.
Se for o caso de termo circunstanciado de ocorrência o infrator será liberado, mas o caso será encaminhado para a justiça para que posteriormente o infrator responda pelo delito cometido.
Ainda é importante ressaltar que, não obstante os crimes acima indicados neste texto, é possível que sejam criadas novas leis ou alteradas as que existem para que se criem novos crimes de acordo com a necessidade, sendo que neste caso só serão punidos aqueles que praticarem o fato depois que a lei nova estiver em vigor.
A despeito destas penalidades de natureza criminal, nada impede que sejam aplicadas outras medidas de natureza cível e administrativas aos infratores, tais como multa, apreensão de bens, cassação de alvará de funcionamento, etc.
Enfim, independentemente das penalidades aplicáveis, cada cidadão deve colaborar com as autoridades para enfrentarmos da melhor forma e com o menor prejuízo possível esta terrível pandemia que, tragicamente, vem afetando praticamente o mundo todo.
Até a próxima!
Hálem Roberto Alves de Souza – Advogado /Professor UNIFIP
Email: halemsouzaadvocacia@hotmail.com