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Sem dúvida, o teixeirense Dom Antônio Fragoso irá ser lembrado como um dos mais ilustres bispos católicos brasileiros do século XX. Nascido em Teixeira, no dia 10 de dezembro de 1920, Dom Fragoso, como era conhecido, deixou sua marca na história do catolicismo brasileiro. Dom Fragoso poderia ser reconhecido nos traços do Bispo de Digne, do escritor francês Victor Hugo em seu romance “Les Miserables”, porém suas ações e obras foram muito maiores e mais além das do Monsenhor Myriel, descrito pelo romancista e lhe merecem muito mais admiração e homenagens. Hoje, lembramos o centenário de seu nascimento, fazendo uma homenagem justa e merecida, a um dos mais ilustres filhos do Teixeira.
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Infância

Dom Fragoso nasceu no sítio Riacho Verde, município de Teixeira, em 10 de dezembro de 1920. Era o primeiro de sete filhos de Maria José Batista da Costa e José Fragoso da Costa. Na época, era Vigário de Teixeira o Padre Vicente Rodas que o batizou com apenas dois dias de nascido. De uma família com acerbada cultura religiosa, Dom Fragoso recebeu de seus pais os primeiros rudimentos da fé. Segundo seu irmão (João da Cruz Fragoso), Antônio recebeu de seus pais a primeira formação religiosa sendo oração do terço diário e o canto do “Ofício de Nossa Senhora”, em latim, todos os sábados, os primeiros traços da fé que marcariam a infância do garoto. Dos filhos do casal, três foram ordenados sacerdotes.

Antônio, desde cedo, mostrava vocação para o sacerdócio. Com uma inteligência admirável, durante a infância, pela manhã, Antônio frequentava a escola primária da nossa cidade onde era professor Severino Lopes e à tarde trabalhava com seu pai e seus irmãos no roçado, até o pôr do sol. Dada a falta de recursos dos pais, Antônio foi enviado para o Seminário Arquidiocesano da Paraíba (na época em funcionamento no antigo Convento de Santo Antônio em João Pessoa), com a idade de treze anos e, para cobrir as despesas, desempenhava a função de porteiro do lugar.

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Seminarista e sacerdote 

No seminário, Antônio experimentou as dificuldades provenientes da educação recebida em uma escola do interior, porém, conseguiu vencê-las uma vez que era esforçado e estudioso. Passados dois anos servindo como porteiro do Seminário, Antônio, então com 15 anos e fazendo o curso de Humanidades deixou tal função e teve seus estudos custeados pela família Soares de Oliveira. Esse fato fez com que o jovem pudesse seguir seus estudos de modo ainda mais esforçado e sem empecilhos. Foi ordenado sacerdote em 02 de julho de 1944. A primeira Missa celebrada Pelo padre Antônio em Teixeira se deu em 08 de dezembro de 1944, mesmo dia em que ocorreu um terrível atentado contra seu tio-avô José Raimundo que fez sua ultima confissão com o padre Antônio. Talvez a primeira absolvição que deu em Teixeira.

Ministério Sacerdotal

Já como sacerdote, Padre Antônio Fragoso exerceu diversas funções. Foi professor do Seminário e vice-reitor entre 1944 e 1957, capelão do Colégio Pio X, do Colégio das Lourdinas e da Maternidade Frei Martinho. Durante aquela época, houve um florescimento do campo social e laical da Igreja, especialmente com a fundação dos círculos operários e estudantis. Após a Rerum Novarum, carta escrita pelo Papa Leão XIII e posteriormente complementada pela Quadragesimo anno, do Papa Pio XI, a Igreja passou a ter um olhar mais profundo para o mundo dos operários e dos trabalhadores em geral. Esse conjunto de fatores seria crucial para o desenvolvimento das bases da participação laical, bem como de uma maior atividade nos meios operários e estudantis e da opção pelos pobres firmemente adotadas por uma grande parte dos bispos e padres após o Concílio Vaticano II (1962-1965).

Padre Antônio foi assistente eclesiástico do Circulo Operário, da Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Operária Católica (JOC) em João Pessoa, além de assistente da JOC do Nordeste entre 1947 e 1957. Com todas essas funções, o jovem Padre Antônio questionava-se, já, sobre a questão das desigualdades, sobre uma forma mais concreta de levar o Evangelho e de torná-lo vivo no meio do povo. Dentro dessa linha de pensamento, o jovem sacerdote se distanciava da visão tradicional de Igreja e passava a abrir-se a uma realidade totalmente nova e baseada na experiência que tinha dentro dos grupos onde prestava sua assistência. O padre Fragoso foi o responsável pela construção do prédio dos Círculos Operários, em João Pessoa, mesmo prédio onde ele instalou o Cinema São José cujas máquinas ele adquiriu em Turim, Itália, com a finalidade de exibir filmes de caráter educativo. Apresentava um gosto particular pelo cinema, sendo, ele mesmo, um dos fundadores do Cine Club da capital paraibana.

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Episcopado

O jovem padre foi nomeado bispo auxiliar de São Luís do Maranhão e titular de Ucres pelo Papa Pio XII em 13 de março de 1957. Sua sagração episcopal se deu em 30 de maio de 1957 pelas mãos de Dom José de Medeiros Delgado e tendo como co-sagrantes Dom Otávio Barbosa Aguiar e Dom Manuel Pereira da Costa. Cinco anos após tornar-se bispo, o jovem Dom Antônio irá a Roma para tomar parte, junto com outros dois mil e quinhentos bispos do Concílio Vaticano II. A experiência no concílio irá amadurecer ainda mais o jovem bispo uma vez que o Concílio, convocado pelo então Papa João XXIII, tinha como metas renovar a Igreja Católica e trazer a mensagem do Evangelho de uma forma compreensiva para o mundo moderno.

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O Concílio

O Concílio foi encerrado em 1965, porém, um pouco antes disso, o Papa Paulo VI nomeou Dom Fragoso como primeiro bispo da diocese de Crateús, Ceará. Dom fragoso foi Bispo desta diocese desde 28 de abril de 1964 até sua renúncia por motivos de idade em 18 de fevereiro de 1999. No pós-concílio, Dom Fragoso destacou-se pela defesa dos direitos humanos e políticos no Brasil, de modo especial durante os “anos de chumbo” da Ditadura Militar. Assumiu as linhas propostas no “Pacto das Catacumbas”, pacto este firmado por cerca de 40 bispos presentes no Concílio, incluindo o próprio Dom Fragoso, que foi um de seus artífices, em novembro de 1965, nas Catacumbas de Domitila, em Roma. A principal e mais conhecida linha do “Pacto das Catacumbas” era a “opção preferencial pelos pobres”. A partir dessa linha, na qual também iria se desenvolver a Teologia da Libertação, Dom Antônio pautou sua vida. De uma Igreja conservadora, Dom Antônio abraçava agora a Igreja dos pobres, dos excluídos e dos sofredores: a Igreja da Libertação. A partir dessa visão, toda a Igreja em Crateús foi reorganizada. A criação de sindicatos, das Cebs, dos grupos de discussão dos agricultores e trabalhadores e muitas outras idéias dinâmicas e que visavam a redução das desigualdades e a formação do povo rumo a uma consciência crítica e coletiva foram implantadas. Sem dúvida, esse foi um dos maiores legados do teixeirense Dom Fragoso ao povo de Crateús.

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Trabalhos pastorais

Dom Antônio foi ainda assessor da catequese no Maranhão, Piauí e Ceará; bispo assessor da catequese do Regional Nordeste I da CNBB; membro do departamento de leigos do CELAM e membro da comissão representativa da CNBB. Dom Fragoso também se destacou no plano internacional, atuando de modo especial na America Latina juntamente com o arquiteto e prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel no Serviço Paz e Justiça na América Latina (SERPAJ-AL), onde contribuiu nas atividades em defesa dos Direitos Humanos e na pregação da não violência. Dom Antônio ainda visitou Teixeira em diversas ocasiões. Sua lembrança permanece viva na mente e na alma do povo teixeirense que tem nele um de seus mais ilustres filhos.

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Dom Fragoso, junto com o padre Alfredinho (Fredy Kunz), fundou a Fraternidade do Servo Sofredor que é um instituto de leigas e leigos consagrados que doam sua vida a favor dos mais pobres e tem como inspiração os quatro cânticos do “Servo Sofredor” do Profeta Isaías e a experiência da resistência das vítimas da seca no Nordeste. Hoje, a Fraternidade possui membros espalhados por vários estados do Brasil e também em outros países.
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Dom Antônio e a Ditadura Militar

Durante os terríveis anos da Ditadura Militar, Dom Fragoso, ao lado de outros tantos e heróicos bispos brasileiros que fizeram a opção pelos pobres, pela justiça e pelos direitos humanos, foi duramente perseguido. Tudo se desenrola a partir de uma entrevista concedida por Dom Fragoso quando se encontrava em Natal ao jornal Poty. Dom Fragoso responde a uma série de questionamentos acerca da Igreja no pós-concílio, bem como dos novos problemas que se colocavam diante da humanidade. Durante a entrevista o bispo elogiou a “coragem da pequena Cuba”, fato este que foi interpretado como uma ameaça pelos militares e conservadores. O fato ocasionou que o general Luiz de França, secretário da segurança do Rio de Janeiro enviasse soldados para prender Dom Fragoso sob a acusação de co-partícipe com os comunistas, marxistas, cubanos e até com Fidel Castro. Foi preciso que o próprio Dom Fragoso se defendesse desses ataques e de suas palavras tiradas de contexto como o mostra a revista Paz e Terra em sua edição de abril de 1968, ou no livro “À margem do meu Riacho Verde” de autoria de seu pai. O caso é que Dom Fragoso passou a integrar a lista dos “bispos vermelhos” da Ditadura Militar e foi duramente atacado, tanto nos meios de comunicação quanto por particulares. Cada vez mais, durante os vinte anos de ditadura, Dom Fragoso se mostrou um bispo com “cheiro de ovelha”, um pastor e um profeta, colocando-se ao lado dos perseguidos, torturados e marginalizados pelo regime.

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Morte e sepultamento

Dom Fragoso faleceu aos 85 anos na madrugada de 12 de agosto de 2006, vítima de um infarto fulminante. Ele estava internado em um hospital de João Pessoa, para onde se mudou após sua renúncia, tratando-se de problemas cardiovasculares. Sepultado naquela cidade, seus restos mortais foram, posteriormente, transladados para Crateús e repousam na Catedral do Senhor Bom Jesus naquela cidade. Pela vida e o testemunho de tão grande teixeirense, podemos fazer nossas as palavras de Dom José de Medeiros Delgado a respeito de Dom Fragoso: “Tenho certeza que morrerei sem conhecer, sob muitos prismas, uma pessoa superior a Dom Antônio Batista Fragoso. Seria, diante de minha consciência, um réprobo se não desse a seu respeito um testemunho preciso, claro, mesmo contrariando aos que o odeiam e o desrespeitam. Esses, que são relativamente poucos, amanhã serão os primeiros a agradecer a Deus o que penso sobre este irmão humilde e leal à Igreja e à Pátria, como poucos há tão verdadeiro e puro.”.

Por Leonardo Marques Teixeira em Foco

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