Rita Lee (Foto: divulgação/Editora Globo)
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Hoje mais cedo, logo após o anúncio da passagem de Rita Lee, o ambiente de trabalho virou uma espécie de sarau improvisado em homenagem à diva do rock nacional. A carreira longeva e produtiva da artista motivou momentos de lembranças ternas e  afetivas até. Cada um dos presentes (de todas as  idades, vale dizer!) foi escavando, do repertório pessoal, uma série de  canções, letras, trechos e curiosidades. Até vocalizes isolados de performances de algum intérprete as canções da moça surgiram. Curiosamente, toda a rememória eclodiu unicamente ancorada num esteio: a música. Ou melhor, a sua música.

Ninguém lembrou de escândalos “escabrosos”, desabonadores ou coisa parecida ligados à artista. Mesmo esta, claro, tendo estado sob o holofotes e convivido com os assédios midiáticos. Em pleno, vale dizer, passo a passo com a desvirtuação do discurso da mídia e seus interesses editoriais. Todos os “cantores” e memorialistas presentes em nossa reunião de repartição estavam ligados na matéria música e cientes de que foi ela que conduziu RL até nossos dias e imprimiu, definitivamente, seu nome na história.

Alguns artistas, graças aos deuses da arte, mantêm essa luz particular a iluminar seus caminhos. Assemelha-se muitas vezes a uma demarcação de território personalíssima. Um proceder que lastreia o status almejado na cultura, por meio poética e na força das palavras coerentes. Não na “fogueira das vaidades” que tendem a queimar almas criativas, eclipsar algumas e alimentar a carreira de algumas nulidades. A cena contemporânea cada vez mais é impulsionada por essas sub-utilidades civilizatórias, infelizmente.  

Rita Lee, se batizada pelas apreciações “moderninhas”, receberia a classificação de “hitmaker” que, numa tradução livre, seria uma espécie de “fazedor de sucessos”. Penso, contudo, que ela era muito mais que isso. Os simples “fazedores”, quero crer, tem uma única visão e concepção de vida artística: visam o mercado, ou o business que alimenta a indústria do entretenimento.

Adequam-se à categoria, e muito bem, os artistas dos gêneros modernosos, capazes de produzir música em escala industrial, numa corrida para emplacar novos hits a cada fim de semana. O que resulta, ao fim, numa música “sem alma” e de índole descartável. Rita era de outra esfera, muito mais evoluída. Não tinha nadas a ver com isso.

Se nós lembramos – os da festiva e informal redação a que pertenço – de tanta coisa (seja extraida da memória radiofônica, da trilha sonora da novela, do comercial de tv ou até de uma pérola incrustada no lado B do repertório de alguma outra estrela) e que aquilo nos marcou de alguma forma. Era suficientemente forte e fazia sentido. Não eram palavras e sons jogados ao léu, sujeitas a ação  profilática do esquecimento.

Rita Lee imprimia sua marca e ditava um modelo superior de apreciação da arte e da produção artística.. Pena que não nos viciamos nessa prática e abrimos, há tempos, mãos do bom gosto.

               Rita Lee, de tropicalista à fada madrinha suprema  do B’rock. Presença indelével na cultura brasileira, sem largar jamais o cultivo do bom gosto e da atualização. Sem embarcar em qualquer aventura estética desatinada e oportunista.

Exemplo de mulher e cidadã, antenada e plugada ao seu tempo. Não se deixou envelhecer em sua competência artística. Para  quem queria estar “perto do fogo/ no umbigo d’um furacão/ e no peito, um gavião”, não é qualquer rótulo moderninho que se adere, como tatuagem, a sua pele. Salve Rita e continuemos ouvindo, seguindo, cantando-a:

“No coração da cidade

Defendendo a liberdade

Eu quero ser uma flor

Nos teus cabelos de fogo

Quero estar no poder

Eu quero estar perto do fogo”

Edson de França 

 

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