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Penso que é preciso estar de espírito aberto para o período carnavalesco. Não importa o ânimo da entidade andante. Quem for de folia, seja. Quem anda de literatura, vá. Quem for no bloco das coisas do espírito, esteja na paz. Quem for da troça do mar, aproveite a onda. Quem for de ufos e astrais, siga a luz e não perca os sinais. Quem for da fanfarra do sofá, da cama, das séries e filmes da TV, do batuque na cozinha, que fique bem, aproveite, esteja vivo, ativo e vibrante. Contemplando o céu e respirando o ar, sigamos. Quem for de antenas, que continue captando as ondas que a vida emana. O carnaval foi feito para pulsar em todas as frequências.

Evoé! A ordem do reinado é uma só: “Foco, galera!”. Se a folia real não te atrai, fica no que te apraz e vê se não enche o saco.

Cada um na sua, cada qual com sua tribo, não importa o número de foliões participantes. O que não vale é a censura ao período. Acho feio, anti carnavalesco, aguado, ranzinza e um tanto quanto ressentido. Se bem que o tipo, dada a plástica caricata, passa-se por uma boa fantasia. Fantasie-se. Só não arrisque roubar meu ar ou rasgar a minha fantasia. Estes são meus amados territórios de farra e existência. Muito menos, tente aguar minha cachaça. Não estou disposto a duelar com a insânia e as más vontades.

Birra de carnaval sempre me pareceu coisa  afeita à inação de algum fulano com “fogo na bacurinha” e “alegria nas pernas” para cair na esbórnia. Impedimentos sociais e amarras mentais impedem a realização de seus ímpetos carnavalescos. Medo, claro, do comentário ácido da Candinha, da perda da aleatória reputação e, mais, de que a falta de controle sobre os próprios impulsos, a fantasia e o exagero dos trejeitos perdure pós período momesco. Ou seja, que a tal “liberação dos sentidos” domine a  razão e, ao final da farra, os pés nunca mais se acertem no caminho do armário.

Alguns reclamam dizendo que é um período perdido, já que muitos não trabalham e isso atrapalha a economia do país. Menos, Mané! Esquece o desavisado que alguns setores não param. Bares e restaurantes, vendedores ambulantes, transportes em geral. Não sei ao certo, mas não creio que os agronegócios da vida e os agentes da agricultura familiar parem também.

O dinheiro que essas categorias e setores ganham vão movimentar a área do comércio e serviços logo depois do carnaval. Dinheiro de pobre, ganho com o suor sagrado, vai direto para a compra de comida, roupitchas e badulaques chineses. Afinal, o período da pouca roupa é curto e datado. Conselho para a aficcionado pelo lucro: Limpe a mente e vá plantar um pé de coentro. O que sei é que, ao final, com a circulação de grana, sempre acaba sobrando algum para o projeto pátrio de “subvenção das elites”, vulgo imposto.

Ah, quando falo de abraçar o carnaval – mesmo que como período sabático – é que, na vida, nunca me tornei um folião completo. Tive dias de intensidade e dias calmíssimos. Alternei humores e não diminuí o encanto. Daí a convicção de que se deve brincar com suas posses e ânimos, assim como experienciar o período com a disposição que o seu momento exibe.

Não sou completo como folião, mas sou da música e isso me enche de felicidades e alegria (indo ou não atrás do trio). Mesmo que não tivesse vivido meus quinhões de carnaval, ainda assim me alimentaria dessa caótica atmosfera musical. Iria por aí sorrindo, cantando, aspirando o ar e, sob certos aspectos, alternando momentos. Digo isso porque também que me bate uma certa nostalgia, mas uma melancolia estético musical, que me faz querer soltar a voz e remexer o corpo aos sons de carnavais passados. “Somos madeira de lei que cupim não rói”. Se o tal espírito natalino existe e irmana as gentes, o espírito folgazão de momo me põe alegre pra danar e a desejar “felicidade urgente” para todos.

Carnaval é período para “animação suspensa” das rotinas. Claro que, durante todo o ano, somos adeptos do festar. Sextamos às sextas, claro, e a(happy)amos nos outros dias da semana, aniversariamos e fazemos questão do niver dos próximos. Vamos fagueiros e bem trajados a festas de padroeira, quermesses e folias fora de época. Nada, porém se compara ao período específico do carnaval.

Há uma energia brutal a marcar aquele lapso de tempo. Tão forte é que fazemos tudo para esticá-lo, promovendo as prévias (atualmente oficiais) e esperando os blocos da Ressaca no primeiro final de semana após os festejos.

Carnaval é para quem respira. Para quem sente o compasso do tempo e o esvair dos dias. Carnaval é para quem aproveita a folga. Para quem está na vida a se adaptar. Para quem guarda a vigilância, mas não se importa com a fantasia que o outro veste. Carnaval é uma celebração humana para quem sente e insiste em viver. Feio é ato golpista que soa excludente. Carnaval e enfim, para quem bota o bloco na rua, não importando a alegoria e o compasso, se de axé, lambada ou marcha rancho.

Na terça-feira, lá pela alta madrugada, o coro ainda entoará “a marcha regresso”, como diria a canção Evocação n.1, de Nelson Ferreira. Marcha que jamais será despedida, é prenúncio. Apenas tomada de fôlego para guardar “in vitro” a expectativa daquele sopro inicial dos clarins de momo. A magia do carnaval não há de se acabar, “queiram ou não queiram os juízes”. Tem que ser vivida. É cultural, ancestral, humana, rito de celebração. Lembrando sempre, entre na folia com seu ritmo, seu ânimo, sua fantasia e celebre, celebre-se, eis a hora. Respeite-se, respeite e vamosimbora!

Derradeiras abaixo (com poesia)

Havia acabado o texto. Parecia tudo resolvido, tudo acabado como uma quarta-feira de cinzas. Cinza que nada  O carnaval é carne, é porção animada  de povo. Naco que recusa se entregar à regularidade doentia dos dias. Semente plantada que, sob a opressão da mais dura couraça, se anuncia vibrante pela brecha que há de se abrir a cada reinado de momo. Fale por mim, poeta Aurélio Aquino!

Do frevo em Olinda adormecida

nas ruas de Olinda
dorme uma alegria
um carnaval embutido
nas costas do dia

o frevo mesmo calado
assanha a ventania
e drapeja seus tons
nos ouvidos da avenida

o frevo é uma lembrança
nos asfaltos em que silencia

(Aurélio Aquino)

Edson de França

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